14 setembro 2007

Acordo ortográfico: uma unidade sem futuro


Na revista brasileira Veja do passado dia 12, há um interessante artigo sobre a importância do domínio da língua no sucesso profissional, acompanhado de considerações sobre as mudanças que o novo acordo ortográfico trará ao português, com depoimentos de escritores, linguistas e professores brasileiros.

Segue-se um artigo de opinião de Reinaldo Azevedo que gostei particularmente de ler, pois retrata a situação do ensino no Brasil desde a década de 70, em particular no que se refere à moda de prezar o “uso criativo” da língua por parte dos alunos, em detrimento do ensino da gramática e da dotação dos educandos com “instrumentos que abrem as portas da dificuldade”. Optou-se, no seu entender, “pelo mesquinho, pelo medíocre, pelo simplório.” (Onde é que já ouvimos isto?!). Não resisto a citar alguns excertos:


As aulas de sintaxe – sim, leitor, a tal “análise sintática”, lembra-se? – cederam espaço à “interpretação de texto”, exercício energúmeno que consiste em submeter o que se leu a perífrases – reescrever o mesmo, mas com excesso de palavras, sempre mais imprecisas. (...) A educação, ao contrário do que prega certa pedagogia do miolo mole, é o contrário da “sedução”. Quem nos seduz é a vida, são as suas exigências da hora, são as suas causas contingentes, passageiras, sem importância. É a disciplina que nos devolve ao caminho, à educação. Professores de português e literatura vivem hoje pressionados pela idéia de “seduzir”, não de “educar”. (...) As reformas ortográficas, acreditem, empobrecem a língua. Não democratizam, só obscurecem o sentido. Uma coisa boba como cassar o “p” de “exce(p)ção” cria ao leitor comum dificuldades para que perceba que ali está a raiz de “excepcional” (...).

Defendendo a restauração em vez da reforma, Reinaldo Azevedo conclui avisando que “A unidade só tem passado. E nenhum futuro.”

Julgo compreender este ponto de vista, já que o uso de uma língua está estritamente ligado às idiossincrasias da cultura própria dos seus utilizadores. Pretender que os portugueses escrevam “fato” em vez de “facto”, ou que os brasileiros passem a grafar “lingüiça” sem trema é, talvez, comparável a obrigar os primeiros a dançar o samba nas festas populares e os segundos a comer bacalhau no Natal.

E com estas palavras gostaria de estimular o debate no espaço reservado aos comentários...

12 setembro 2007

outrem, nuvem e constroem

Eis três palavras que parecem uma verdadeira tentação: é que quase ninguém resiste a colocar-lhes um acento agudo!

Sendo todas elas graves, nenhuma deve ser escrita com acento, pelo que é incorrecto grafá-las assim: “outrém”, “núvem” e “constróem”.

Explica-se isto porque a nossa tendência natural, enquanto falantes de português, é para pronunciarmos as palavras que acabam em -em com tónica na penúltima sílaba. Não precisam, portanto, de acento, as palavras outrem, nuvem e constroem, tal como tantas formas verbais, como fazem, comem, bebem, vivem... Bem vistas as coisas, é tão absurdo escrever “núvem” e “constróem” como seria ridículo escrever “ôntem” ou “lútem”!

Pelo contrário, palavras agudas terminadas em -em, essas sim, levam acento gráfico (alguém, também, Belém) – excepto as monossilábicas – precisamente para que não sejam pronunciadas como se fossem graves. Desta forma evidenciamos a diferença entre, por exemplo, contem e contém.

Portanto, no erro frequente “outrém, há duas incorrecções: primeiro, acentuar graficamente uma palavra grave terminada em -em e, segundo, colocar o acento sobre a vogal e, que nem sequer é tónica.

O caso de “constróem” também é duplamente grave, pois não só se trata de um erro de acentuação, como é um erro que o corrector automático do meu computador me aconselha, em vez da forma correcta constroem!

10 setembro 2007

Controlo e controle


Enquanto substantivo, e em português europeu, controle é uma variante de controlo. Ambas as formas estão consagradas em diversos dicionários, sendo no entanto a última preferível, segundo os linguistas portugueses.

E por que motivo devem os Portugueses dizer e escrever, por exemplo, “está tudo sob controlo”, enquanto os Brasileiros optam por “está tudo sob controle”?

Ao contrário do que muitos pensam, não é por causa das novelas brasileiras que alguns portugueses dizem controle. O termo é um galicismo, ou seja, entrou no nosso léxico por influência da língua francesa, e - tal como biciclete, camionete, equipe e omelete – foi posteriormente adaptado à nossa língua (e temos agora bicicleta, camioneta, equipa e omeleta). No caso de controle, substituiu-se o -e final por um -o em vez de um -a, mas o procedimento é idêntico. Trata-se de uma alteração que tem vingado entre os portugueses (provavelmente teve início na linguagem popular e corrente, estendendo-se depois aos registos mais cultos), embora não entre brasileiros, que tendem a preferir as formas mais próximas do francês, terminadas em -e.

07 setembro 2007

Quando a flexão se torna criação

É interessante verificar como são produtivos em português os sufixos diminutivos e aumentativos, como -ito, -eco, -aréu, -ucho, -arra e tantos outros, que parecem servir apenas para conferir maior expressividade à linguagem, através da criação de substantivos mais “coloridos” e adaptados à realidade que se pretende representar.
Assim, em vez de falar simplesmente de um pardal, de um miúdo, de um fogo, de um papel, de uma boca, às quais depois associamos determinados adjectivos, podemos referir-nos a um pardalito, a um miudeco, a um fogaréu, a um fatucho, a uma bocarra. E não deve haver muitas línguas em que isso seja possível!“Mas esses sufixos diminutivos e aumentativos não têm grande utilidade na linguagem do dia-a-dia!”, dir-me-ão. No entanto, muitos deles permitiram criar palavras novas, cujo significado não se resume à soma do sentido do sufixo ao do radical. Por exemplo palhinha, latão, cavalete, pastilha... já tinham pensado nisso?

04 setembro 2007

Síndroma


Há dias ouvi um alguém declarar, na TSF, que não tinha “o sindroma de Aljubarrota”, a propósito da antipatia de muitos portugueses pelos espanhóis.
Ora, apesar deste uso frequente do substantivo síndroma como se fosse grave (portanto, escrito sem acento no i e pronunciado com tónica na penúltima sílaba, -dro) e masculino é, até agora, incorrecto.
O termo admite duas grafias e duas pronúncias (síndroma e síndrome, mas não “sindroma”) e é sempre feminino, seja qual for o domínio do seu significado (literal ou figurado).
Se não acreditam, confirmem aqui ou aqui, por exemplo.
E bom regresso ao trabalho, se for o vosso caso!

31 agosto 2007

Capaz

Capaz é um adjectivo que comporta, entre outros, o significado “que tem capacidade”. Os outros sentidos estão enumerados, por exemplo, neste dicionário virtual. No entanto, os dicionários não contemplam todas as possibilidades semânticas dos vocábulos, sobretudo no que toca aos vários registos de língua (popular, familiar, calão, gírias...) e às colocações, isto é, expressões em que as palavras se inserem e que têm um significado específico, diferente da simples associação dos sentidos de cada um dos termos que nelas se incluem. É o caso de “ser capaz de”, que pode significar (embora nem sempre signifique), na linguagem familiar, algo semelhante a talvez. Por exemplo, a frase “Ela é capaz de não ir” pode ser substituída, sem mudança de sentido, por “ela talvez não vá”.

Acontece que, quando a expressão “ser capaz de” é usada com esse sentido adverbial, existe alguma tendência para encarar a palavra capaz como se fosse invariável, ou seja, não a flexionando em número. Contudo, capaz continua a ser um adjectivo e, como tal, varia em número de acordo com o substantivo ou pronome que qualifica. Assim, seria incorrecto dizer “eles são capaz de não voltar antes de domingo”, pois há nessa frase um erro de concordância. Diga-se, antes, “eles são capazes de”...

24 agosto 2007

ANUNCIE SEM ACENTO!


A “nossa” Mafalda descobriu este erro ortográfico, que teve a amabilidade de nos enviar. É daqueles que passam despercebidos a muitos falantes, sobretudo àqueles que confessam ter muitas dúvidas sobre acentos gráficos.


Contudo, as regras de acentuação gráfica em português são poucas e quase todas lógicas e naturais. E para as compreender basta saber que os acentos (agudo e circunflexo) servem para indicar qual é a vogal tónica (a que se pronuncia com mais “força”), nos casos em que poderia haver dúvidas.


Em anuncie, é descabido colocar o acento agudo na vogal “u”, que NÃO é tónica nesta flexão do verbo anunciar. Em anúncio, sim, o “u” é a vogal tónica e a palavra leva acento gráfico por ser esdrúxula. Só assim não será pronunciada como anuncio, primeira pessoa do verbo anunciar no Presente do Indicativo!


Os amigos da Mafalda riram-se da sua mania de encontrar erros em todo o lado. Com efeito, a nós, que queremos bem à nossa língua, dizem-nos: “Lá estás tu!... que mal é que tem um acento a mais ou um acento a menos?...” Mas a todas as pessoas que escrevem, imprimem e afixam textos com erros ortográficos ninguém se lembra de dizer: “Lá estás tu! Então não consultaste primeiro o prontuário ortográfico?”

20 agosto 2007

Porque e por que



Antes de tentar lançar alguma luz sobre a diferença entre porque (junto) e por que (separado), é preciso dizer que NÃO existe consenso entre os especialistas em língua portuguesa e que Portugueses e Brasileiros aplicam critérios diferentes na utilização da palavra/locução.
No entanto, e apesar da polémica - que está longe de chegar a um termo (vejam por exemplo os comentários ao esclarecimento prestado na rubrica de Dúvidas Linguísticas do Público a partir daqui) - gostaríamos de avançar com a nossa humilde opinião.

A palavra porque – deve ser usada sempre que é pronome interrogativo (por exemplo em “Porque é que o João não foi?”) ou conjunção explicativa (por exemplo em “Não foi, porque estava de férias.”). No primeiro caso significa o mesmo que “por que motivo” e nunca é seguida de um nome (reparem que nunca perguntaríamos, pelo menos em português de Portugal, "Porque o João não foi?"). No segundo caso significa “uma vez que” e serve para ligar orações.

A locução por que – deve ser empregada quando podemos substituir a palavra que por qual. Por exemplo em “Por que (=qual) caminho foste?”. Pode usar-se tanto em frases interrogativas como em declarativas. Por exemplo em “Foi essa a razão por que (= pela qual) não falei”. Em ambos os casos, como é fácil verificar, a separação entre por e que justifica-se por se tratar de duas palavras com classes e funções gramaticais diferentes, sendo a primeira uma preposição e segunda um determinante ou um pronome, conforme o caso.

15 agosto 2007

Mais pequeno?!

Se há uma regra gramatical que nós, Portugueses, aprendemos desde cedo, é a da flexão irregular de certos adjectivos em grau. Todos sabemos que bom e mau, grande e pequeno, no grau comparativo e também no superlativo relativo, se transformam em melhor, pior, maior e... menor. E aprendemos tão bem a lição que, em adultos, não hesitamos em corrigir as crianças que caem na “asneira” de dizer “mais bom” ou “mais grande”.

Curioso é, porém, que haja entre os casos desta regra uma excepção que é paradoxalmente escandalosa e discreta, para quem fala a versão da língua usada deste lado do Oceano Atlântico. Eu explico; ou melhor, alguém me explica: por que motivo andamos todos a dizer e a escrever, alegremente, mais pequeno, quando nunca ousaríamos usar a expressão “mais grande” e talvez nem mesmo “menos pequeno”?! Como e quando é que o adjectivo pequeno, no grau comparativo de superioridade, passou a escapar à regra?

Uma pergunta que gostaria de fazer, se pudesse, a todos aqueles portugueses que já se permitiram pensar, num assomo de veleidade e arrogância, que no Brasil se fala “mal” a língua portuguesa. É que lá, meus caros, também é errado dizer “mais pequeno” em vez de menor!

07 agosto 2007

INTERREGNO


Desculpem a falta de artigos, mas temos duas boas razões.

A primeira é ser Agosto o nosso mês de férias. E por mais que queiramos deixar-vos aqui as nossas ideias, mesmo em tempo de lazer, falta-nos a ligação à Internet nas zonas de veraneio onde nos encontramos ;)

A segunda é que eu, S. Leite, acabo de ser mãe pela segunda vez e por isso tenho dificuldade, neste momento, em pensar noutras coisas além de fraldas, amamentação e, é claro, dar carinho ao meu pequeno príncipe.

Contamos, portanto, com a vossa compreensão. E esperamos que não deixem de nos visitar por causa deste interregno!

01 agosto 2007

PERFORMANCE

O que é? Quase toda a gente sabe.

De onde vem? Da língua inglesa, como tantas outras palavras que usamos diariamente.

Será um estrangeirismo ou um barbarismo? Depende do ponto de vista… para os utilizadores mais liberais da nossa língua, é um estrangeirismo perfeitamente aceitável, porque o seu significado não encontrava um equivalente adequado em português. Para os puristas, é um barbarismo, ou seja, um vocábulo “intruso” que não tem qualquer razão de ser, pois existem na nossa língua pelo menos vinte e um termos que o podem substituir (vejam a lista no Ciberdúvidas!).

Para onde vai? Para os dicionários de língua portuguesa, em breve, se continuar a ter a preferência dos falantes. Por mais alto que fale a voz dos defensores da vernaculidade do português, não serão eles quem decidirá se o termo vinga ou não – mas sim o uso que este tiver. E tem tido MUITO uso! A verdade é que a maior parte das pessoas que opta por dizer performance em detrimento de desempenho, fá-lo porque a palavra portuguesa não parece abranger a ideia claramente positiva de “eficácia”, de “sucesso”, que performance transmite.

Performance já anda na boca de toda a gente, quer conste dos dicionários, quer não. E assim se enriquece ou se empobrece a nossa língua?

27 julho 2007

Os “ÊM” e os “ÊEM”

Verbo TER – ele tem, eles têm
Verbo VIR – ele vem, eles vêm
Verbo VER – ele vê, eles vêem
Verbo LER – ele lê, eles lêem

Para não confundir a grafia destes verbos na 3ª pessoa do plural, há um velho truque que nos ajuda na hora da dificuldade!
Quem vê e quem lê usa (normalmente!) os dois olhos, logo, as formas verbais vêem e lêem escrevem-se com dois e!
Atenção também aos verbos compostos, que seguem o mesmo paradigma de flexão dos verbos que estão na sua base, ou seja, conter, intervir, prever e reler, por exemplo, conjugam-se como ter, vir, ver e ler, respectivamente:
1. Essas caixas contêm garrafas.
2. Eles nunca intervêm nas reuniões.
3. Os meteorologistas prevêem o tempo.
4. Os alunos relêem o texto com atenção.

24 julho 2007

A polivalência de QUALQUER

Já alguma vez imaginaram que pudesse haver uma palavra na Língua Portuguesa com significados tão contraditórios?
O mais comum é existir um elo semântico entre as várias acepções de uma palavra. Não é, porém, o que acontece com qualquer. Querem ver?

1. Qualquer = todos(as)
Qualquer peixe sabe nadar.
2. Qualquer = nenhum(a)
Esse assunto não tem qualquer importância.
3. Qualquer = algum(a)
Passa-se qualquer coisa estranha naquela casa.
4. Qualquer = não importa qual
Por favor, traz-me uma bebida do bar. Uma qualquer!
5. Qualquer = sem importância
Ele não é um escritor qualquer!
A Maria nunca sairia com um rapaz qualquer!

19 julho 2007

A eterna dúvida... à ou há?


Para muita gente, a eterna dúvida prende-se com a diferença entre à e .
à é a contracção entre o determinante (artigo definido feminino) a e a preposição a. O acento grave indica isso mesmo: que por “debaixo” daquela letrinha estão duas palavras diferentes. Usa-se sempre que a construção exige a preposição a e a ela se associa o artigo a. Por exemplo em: “Ontem fomos à praia” ou “Passa tu à frente.”
Entendo que não é fácil perceber que falta poderá fazer o artigo a naquelas frases (depreendendo que se juntam os a de ir / passar a + a praia / a frente). Mas, para dissiparem as dúvidas, basta substituírem a preposição por outra, por exemplo para: não só verificarão que a frase continuará a fazer sentido, mesmo que a preposição não tenha exactamente o mesmo significado (“Ontem fomos para a praia”, Vai tu para a frente.”), como ainda constatarão que usam o artigo a – portanto ele estava, de facto, lá.
é flexão do verbo haver no Presente do Indicativo, terceira pessoa do singular. Pode ter dois sentidos: existir e fazer (usado como verbo impessoal, com um sentido temporal). Assim, a palavra pode sempre ser substituída por um desses dois verbos no mesmo tempo: dizer “ dias assim” ou “ tempos que não o vejo” é o mesmo que dizer “Existem dias assim” e “Faz tempos que não o vejo”.
Portanto, na frase “Chegámos uma hora, ou seja, à uma em ponto”, temos os dois parónimos juntos. Mas nem por isso nos baralhamos: na primeira oração, confirmamos o uso do h com a substituição pelo verbo fazer: “Chegámos faz uma hora”. Na segunda, alteramos a preposição, para confirmar que se trata do à: “pela uma em ponto.”

17 julho 2007

Ainda a “rúbrica”!

“Rubrica, para um pequeno apontamento, e rúbrica, para uma assinatura breve” – assim pensa a maioria das pessoas.
RUBRICA é, hoje em dia, uma das palavras utilizadas incorrectamente, quer na oralidade, quer na escrita. Contudo, a sua história ajuda-nos a esclarecer eventuais dúvidas. Viajem comigo!
Tendo a sua origem no latim rubrica, estava relacionada com “rubro” (vermelho) e designava “terra, argila vermelha” ou “giz de cor vermelha”. Os títulos dos livros antigos e dos manuscritos medievais eram sempre escritos a vermelho, daí a designação rubricas.
Actualmente, os dicionários registam rubrica como o título dos capítulos de livros de direito civil, significado este que se foi alargando para “pequeno apontamento ou indicação”. Posteriormente, a palavra rubrica passou a designar também uma assinatura abreviada.
Em suma, trata-se de uma palavra com acento tónico na penúltima sílaba -bri- e sem qualquer acento gráfico na vogal u. RUBRICA, portanto, em todas as acepções.

Espero que esta rubrica tenha sido esclarecedora, para que na altura de assinarem um documento, possam perguntar com um ar decidido: “Desculpe, onde quer que eu faça a rubrica?”

13 julho 2007

À vontade ou à-vontade?


Aproveitando o esclarecimento que demos a uma leitora via e-mail, vimos hoje escrever sobre uma dúvida frequente: a diferença entre à vontade e à-vontade.

À vontade é locução adverbial, usa-se para modificar verbos, podendo ser precedida por outro advérbio. Por exemplo nas frases:
Ele está muito à vontade para meu gosto.
Sinto-me bastante à vontade em frente a uma audiência.
À-vontade é substantivo masculino, portanto deve escrever-se com hífen sempre que seja precedido por um determinante (o, um, algum, etc.). Por exemplo em:
O à-vontade dele naquela situação deixou-me perplexo.
Ele falou com um à-vontade incrível.
Há casos, porém, em que não temos tanta facilidade em determinar qual das duas grafias devemos adoptar. Um substantivo nem sempre é facilmente reconhecível como tal (aliás, nem sempre é precedido por um determinante), o mesmo se passando com a locução adverbial. Repare-se nas seguintes frases:
Ela não tem muito à-vontade com as crianças.
O meu carro leva, à vontade, quatro pessoas no banco de trás.
No primeiro caso, é preciso saber que "muito" – naquele contexto – é um determinante indefinido e, como tal, só pode preceder um substantivo. No segundo caso, por estar entre vírgulas, a expressão parece ser independente, mas na verdade é um advérbio que modifica o verbo (leva), podendo ser substituído por outro, como "facilmente". Daí escrevermos o primeiro à-vontade com hífen e o segundo sem.
Conclusão: a minha explicação pode não ter sido inteiramente esclarecedora, mas a intenção era boa :)

11 julho 2007

Quem é que se trata, afinal?

Quem se trata são os doentes, nas construções passivas. Por exemplo na frase “os diabéticos tratam-se com insulina.” Ou seja, eles não se tratam a si próprios, mas alguém os trata, tal como, na frase “vêem-se esquilos no Monsanto”, é evidente que não são os esquilos que se vêem a si próprios ou uns aos outros.

Com esta introdução algo confusa, queria apenas esclarecer os leitores sobre a expressão “tratar-se de”, que todos gostamos de usar em certos contextos, quando parece que o verbo ser não chega para dar um cunho formal à linguagem. Então, em vez de “é uma situação complicada”, dizemos “trata-se de uma situação complicada”. A frase torna-se logo mais bonita... e, até aqui, tudo bem.

O problema surge quando se começa a usar essa expressão, que é impessoal (exactamente como o verbo haver!), como se não o fosse. Então cai-se no erro de dizer ou escrever frases como “tratam-se de situações complicadas” ou, pior ainda, “estas situações tratam-se de casos complexos”. Portanto, atenção ao verbo tratar-se: se for seguido da preposição de, não admite sujeito.

09 julho 2007

Haja doces ou hajam doces?!

"Haja doces para esquecermos as tristezas!"... ou "Hajam doces para esquecermos as tristezas!"...?


O verbo haver, quando é verbo principal numa oração, com o significado de existir, ou acontecer, apenas se conjuga na 3ª pessoa do singular, por ser impessoal. Por isso, dizemos " coisas” e não "hão coisas".

Do mesmo modo, portanto, devemos dizer "haja doces" e não "hajam doces", “houve situações” e não "houveram situações", "haverá riscos" e não "haverão riscos", etc. Penso que poucos leitores deste blogue ficaram admirados com o que acabaram de ler.

Contudo, muita gente esquece que a regra de não flexionar o verbo haver de acordo com um pretenso sujeito (que afinal não é sujeito nenhum) também se aplica aos seus auxiliares, como ter, costumar, continuar, ir, poder, etc. Assim, acontece frequentemente ouvir-se "vão haver concertos" em vez de "vai haver concertos", "continuam a haver vagas" em vez de "continua a haver vagas", "têm havido reclamações" em vez de "tem havido reclamações".

Portanto, o verbo haver é sempre impessoal se for verbo principal, o que se manifesta inclusivamente na flexão dos seus auxiliares. Só devemos conjugar o verbo haver em todas as pessoas quando é auxiliar: seja com o sentido de ter (ex.: "eles haviam feito"), seja como expressão de intenção (ex.: "eles hão de fazer").

05 julho 2007

Erros que não dão nas vistas - “Isso foi uma das coisas que mais me impressionou”

Aqui está um erro de concordância bastante frequente, mas que passa muitas vezes despercebido. “Erro?” Estão os leitores a pensar. “Não encontro erro nenhum!”
Pois bem, a construção correcta é: “Isso foi uma das coisas que mais me impressionaram.”
Admito que “soa melhor” flexionar o verbo impressionar no singular por concordância com o elemento que se pensa ser o seu sujeito, ou seja, o determinante indefinido uma.
Desenganem-se e sigam o raciocínio sintáctico que passo a descrever:
Esta frase contém dois verbos - ser e impressionar -, que têm sujeitos diferentes: o sujeito do verbo ser é o pronome demonstrativo isso; o sujeito do verbo impressionar é o pronome relativo que, que por sua vez se refere ao nome coisas (estando flexionado no plural, obrigará o verbo a flexionar também no plural).
Se invertermos a ordem dos elementos da frase, perceberemos melhor:
Das coisas que mais me impressionaram, isso foi uma (delas).
Compreende-se, então, o motivo por que não é legítimo flexionar o verbo impressionar no singular, sob pena de se admitir uma estrutura como “*Das coisas que mais me impressionou, isso foi uma (delas).”
São erros discretos, mas não deixam por isso de ser erros.

04 julho 2007

Junto ou separado?

É certo que temos, na nossa língua, muitas ex-locuções, sobretudo adverbiais, que se tornaram palavra única, como dantes (de antes), devagar (de vagar) e depressa (de pressa).

Contudo, enquanto os dicionários não registarem as novas tendências dos falantes, enquanto as alterações à ortografia de certas expressões não forem consagradas, ainda é ERRADO escrever, como muita gente hoje já escreve:

"afim de" (a fim de)
"apartir de" (a partir de)
"concerteza" (com certeza)
"derrepente" (de repente)
"secalhar" (se calhar)

Muitas vezes, o erro é dado sem que nos apercebamos disso - seja porque escrevemos à pressa, seja porque estamos distraídos, seja por outro motivo qualquer. Por isso, estejam atentos e não deixem que a vossa mão vos pregue estas partidas!

02 julho 2007

Ainda a ortografia

Cada vez é mais frequente pessoas adultas, com diferentes profissões e nos mais diversos meios – inclusive no ensino – escreverem com erros ortográficos.

O fenómeno terá origem em diversos factores, como a falta de leitura, o aumento de estímulos audiovisuais, a existência de correctores automáticos de escrita, a decrescente qualidade do ensino e a diminuição do grau de exigência, neste âmbito, sobretudo nos níveis básico e secundário, e talvez mesmo a falta de interesse generalizada por esse problema e pela sua resolução. Chegámos ao triste ponto em que professores recém-licenciados, ao candidatarem-se a empregos, enviam currículos com erros ortográficos para as escolas!

Sei que em certos países da Europa a correcção ortográfica é condição essencial para passar de ano, seja em que disciplina for. Cá, porém, estamos longe desse ideal... prova disso é que, como o atestam alguns comentários ao texto anterior, até se admite a ideia de um ESCRITOR dar erros ortográficos palavra sim, palavra não!

29 junho 2007

"Omenagem à Hortografia"

Um texto que não escrevemos, mas que, pela sua relevância e contundência, achámos pertinente publicar aqui:


Por: Francisco José Viegas, Escritor


A senhora menistra da Educação açegurou ao presidente da República que, em futuras provas de aferissão do 4.º e do 6.º anos de iscolaridade, os critérios vão ser difrentes dos que estão em vigor atualmente. Ou seja os erros hortográficos já vão contar para a avaliassão que esses testes pretendem efetuar. Vale a pena eisplicar o suçedido, depois de o responçável pelo gabinete de avaliassões do Menistério da Educação ter cido tão mal comprendido e, em alguns cazos, injustissado. Quando se trata de dar opiniões sobre educassão, todos estamos com vontade de meter o bedelho. Pelo menos.

Como se sabe, as chamadas provas de aferissão não são izames propriamente ditos limitão-se a aferir, a avaliar - sem o rigôr de uma prova onde a nota conta para paçar ou para xumbar ao final desses ciclos de aprendizagem. Servem para que o menistério da Educação recolha dados sobre a qualidade do encino e das iscólas, sobre o trabalho dos profeçores e sobre as competênssias e deficiênçias dos alunos.

Quando se soube que, na primeira parte da prova de Português, não eram levados em conta os erros hortográficos dados pelos alunos, logo houve algumas vozes excandalisadas que julgaram estar em curso mais uma das expriências de mudernização do encino, em que o Menistério tem cido tão prodigo. Não era o caso porque tudo isto vem desde 2001. Como foi eisplicado, havia patamares no primeiro deles, intereçava ver se os alunos comprendiam e interpetavam corretamente um teisto que lhes era fornessido.
Portantos, na correção dessa parte da prova, não eram tidos em conta os erros hortográficos, os sinais gráficos e quaisqueres outros erros de português excrito. Valorisando a competenssia interpetativa na primeira parte, entendiasse que uma ipotetica competenssia hortográfica seria depois avaliada, quando fosse pedido ao aluno que escrevê-se uma compozição. Aí sim, os erros hortográficos seriam, digamos, contabilisados - embora, como se sabe, os alunos não sejam penalisados: á horas pra tudo, quer o Menistério dizer; nos primeiros cinco minutos, trata-se de interpetar; nos quinze minutos finais, trata-se da hortografia.

Á, naturalmente, um prublema, que é o de comprender um teisto através de uma leitura com erros hortográficos. Nós julgáva-mos, na nossa inoçência, que escrever mal era pensar mal, interpetar mal, eisplicar mal. Abreviando e simplificando, a avaliassão entende que um aluno pode dar erros hortográficos desde que tenha perssebido o essencial do teisto que comenta (mesmo que o teisto fornessido não com tenha erros hortográficos). Numa fase posterior, pedesse-lhe "Então, criançinha, agora escreve aí um teisto sem erros hortográficos." E, emendando a mão, como já pedesse-lhe para não dar erros, a criancinha não dá erros.

A questão é saber se as pessoas (os cidadões, os eleitores, os profeçores, "a comonidade educativa") querem que os alunos saião da iscóla a produzir
abundãnssia de erros hortográficos, ou seja, se os erros hortográficos não téêm importânssia nenhuma - ou se tem. Não entendo como os alunos podem amostrar "que comprenderam" um teisto, eisplicando-o sem interesar a cantidade de erros hortográficos. Em primeiro lugar porque um erro hortográfico é um erro hortográfico, e não deve de haver desculpas. Em segundo lugar, porque obrigar um profeçor a deixar passar em branco os erros hortográficos é uma injustiça e um pressedente grave, além de uma desautorizassão do trabalho que fizeram nas aulas. Depois, porque se o gabinete de avaliassão do Menistério quer saber como vão os alunos em matéria de competenssias, que trate de as avaliar com os instromentos que tem há mão sem desautorisar ou humilhar os profeçores.

Peçoalmente, comprendo a intensão. Sei que as provas de aferissão não contam para nota e hádem, mais tarde, ser modificadas. Paço a paço, a hortografia háde melhorar.

25 junho 2007

"Mais bem" existe e é correcto!


No último número da revista Volta ao Mundo, deparei-me com este anúncio: "Melhor equipado só com mordomo incluído."

Certamente já estão à espera do que eu vou escrever a seguir: há ali um erro de português. Mas onde?

O erro está em escrever (ou dizer) "melhor equipado" - porque, quando estamos a modificar um adjectivo participial (ou seja, um adjectivo que provém do Particípio Passado de um verbo, como equipado, preparado, classificado, vendido, escrito...), não devemos flexionar em grau os advérbios bem e mal.

Talvez vos custe aceitar mais essa regra, que aparentemente ninguém cumpre, pois, ao que parece, ninguém sabe que ela existe. Mas isso não é verdade! Porque, como facilmente constatarão, raríssimas são as pessoas que ignoram essa regra quando se seguem Particípios (irregulares, mas ainda assim Particípios) como feito, dito, escrito. Por acaso costumam dizer que uma coisa está "melhor" ou "pior" feita do que outra?!

21 junho 2007

Roubo e furto

Uma das muitas (e boas!) sugestões do Jaime foi esta: elucidar os leitores sobre a diferença entre roubo e furto.

Embora em ambos os conceitos esteja subjacente a ideia de tirar a alguém, indevidamente, os seus haveres, no caso do furto essa acção não implica violência (ou ameaça), enquanto o roubo já pressupõe a ideia de que a vítima é forçada, sob ameaça ou mesmo violência, a entregar os seus bens.

Em rigor, portanto, quando descrevemos uma situação de qualquer um dos dois tipos, apenas uma das palavras se aplica, e não ambas: se um estranho entra em casa de alguém e leva os objectos de valor enquanto o dono dorme, há furto. Se alguém na rua é forçado a entregar o dinheiro que tem na carteira, sob a ameaça de uma arma ou de uma seringa contaminada, trata-se de roubo.

Todavia, o que acontece é que – sobretudo quando se usa o verbo correspondente – existe uma marcada tendência para escolher roubar, haja ou não violência inerente ao acto. Talvez porque o verbo furtar tenha vindo a ser preterido, na linguagem corrente, e cada vez mais associado a um registo formal e antiquado. E é preciso admitir que os dicionários actuais apresentam os termos roubar e furtar como sinónimos, portanto, dando razão a quem os usa indiferenciadamente. Na linguagem jurídica, porém, não há confusões. Roubo não é furto e furto não é roubo!

20 junho 2007

“Do” ou “de o”?

Será mais um preciosismo, mais uma batalha garantidamente perdida?

A verdade é que há uma diferença entre contrair ou não contrair preposições como a, de, por e determinantes ou pronomes como o, a, ele, ela, este, isto, etc.

A diferença reside no facto (e aqui já temos uma frase exemplificativa) de o referido determinante ou pronome ser ou não o sujeito de uma oração infinitiva. No caso da frase anterior, por exemplo, temos um verbo no Infinitivo (“ser”) cujo sujeito é “o referido determinante”. É por isso que seria incorrecto escrever: *“a diferença reside no facto do determinante ser ou não sujeito”. É como se a separação entre de e o servisse precisamente para evidenciar, a priori, a importância do determinante o enquanto sujeito da oração seguinte, para avisar os leitores de que a frase não acaba ali.

Se após o determinante ou pronome não houver nenhum verbo no Infinitivo, então já é recomendável contraí-lo com a preposição anterior. Por exemplo aqui: “Achei óptima a ideia dele.” (Em vez de: *“Achei óptima a ideia de ele.”). E até poderia haver uma oração a seguir, desde que ele não fosse o respectivo sujeito. Por hipótese: “Achei óptima a ideia dele, embora me parecesse um pouco ousada.”

Admito que esta regra cada vez é mais ignorada, até por pessoas que escrevem bem. Mas isso, como sabem, não é argumento que nos detenha. Se fosse, nem valeria a pena continuar este blogue!

15 junho 2007

A virtualidade da virtude de complicar

Muita gente complica.

Dizem que a língua portuguesa é traiçoeira, que engana, que é difícil, e por aí fora. Mas a verdade é que não são raras as vezes em que somos nós, os falantes, que atraiçoamos a própria língua.

Hoje o Jaime alertou-me para o facto de haver quem diga virtualidade em vez de virtude. Não me surpreendeu, uma vez que é frequente as pessoas optarem – sobretudo em contextos formais – por palavras mais compridas, mais “bem sonantes”, mas que afinal não significam aquilo que elas pensam e por isso tornam o discurso incorrecto ou até incoerente.

Virtualidade é a qualidade daquilo que é virtual, ou seja, potencial, possível, ou ainda simulado (por oposição a real); a virtude é uma qualidade moral positiva, por oposição a um defeito. Assim, será muito pouco provável haver um contexto em que ambas as palavras possam ser usadas como sinónimas. Vejam, por exemplo, o resultado de trocar uma pela outra nestas frases: “estamos a entrar numa era em que a virtualidade assume a mesma importância que o real” e “a honestidade continua a ser considerada uma virtude”.

Uma confusão semelhante ocorre com os termos referir / referenciar e notar / denotar, que também não têm o mesmo significado, mas que muitos falantes usam alternadamente, como se tivessem, consoante a formalidade da situação.

11 junho 2007

Há Portugueses e portugueses?


Sem dúvida :)

Portugueses, com maiúscula, e apenas enquanto substantivo, deve ser usado sempre que queiramos referir-nos a todos os indivíduos que o gentílico designa – seja no singular ou no plural –, ainda que estejamos a fazer uma daquelas generalizações pouco rigorosas, que dependem mais da experiência limitada ou da opinião subjectiva de cada um do que de uma análise rigorosa da realidade. Por exemplo, nas frases “os Portugueses são um povo pessimista” ou “o Português tem jeito para falar línguas”.
Enquanto substantivo, é preferível usar portugueses, com minúscula, nos contextos em que designa apenas algum ou alguns indivíduos, mas não todos, na generalidade. Por exemplo, se alguém escrever que “encontrou muitos portugueses quando esteve de férias em Espanha”, ou uma anedota sobre um português, um francês e um inglês que vão num avião (lembram-se dessa?!). Enquanto adjectivo, portugueses deve ser sempre escrito com minúscula, mesmo quando designa a generalidade dos indivíduos. Por exemplo em “as mulheres portuguesas são bonitas”, ou em “o homem português é corajoso”.
Enfim, são pormenores insignificantes, para quem nem se preocupa em pôr acentos gráficos nas palavras, mas que têm importância para os que fazem questão de escrever bem.

08 junho 2007

Os pombos-correio fizeram horas extras, ao contrário dos peixes-espada e dos porcos-espinhos!

Quem não teve já dúvidas aos formar os plurais de certas locuções nominais e de nomes compostos? É que algumas das regras que determinam a sua flexão em número nem sempre são fáceis de interpretar...

Vejamos estas duas: a) se o composto for formado por dois nomes ou nome e adjectivo, flexionam-se ambos os termos no plural; b) se o segundo termo, sendo um nome, funcionar como determinante do primeiro, só o primeiro se flexiona no plural.

Exemplifiquemos com hora extra e pombo-correio.

No primeiro caso, extra é um adjectivo (formado por truncamento a partir da palavra extraordinário). Logo, concorda em número com o nome que qualifica. Assim como diríamos “horas extraordinárias”, também devemos dizer “horas extras” – porque as palavras truncadas também têm plural (como fãs, motos, metros, pneus, etc.)

No segundo caso, o substantivo correio também, de certo modo, qualifica o nome pombo, mas não se flexiona no plural porque está a condicionar o significado do primeiro termo: podemos dizer que se trata de pombo(s) com função de “correio”. Não faria sentido dizer que, quando os pombos são vários, também passa a haver diversos “correios”. Há, nesse caso, vários pombos com a mesma função (de correio).

É a mesma lógica do peixe-espada: podemos referir-nos a vários peixes, mas nunca serão várias “espadas”, porque o termo espada apenas indica que os peixes têm essa forma.

Já a flexão de porco-espinho em número deve formar-se com ambos os termos no plural: porque, afinal, não se trata de um porco com forma de espinho, mas de um nome composto por dois substantivos em que nem um nem outro designa directamente a realidade representada. Por isso, ambos se flexionam: porcos-espinhos.

Conclusão: formar um plural de um nome composto dá muito que pensar!

(08.06.07)

05 junho 2007

E se recusasse fazer o teste da “alcoolémia”?

Se for a conduzir e um agente da polícia o interceptar e lhe pedir que faça o teste da “alcoolémia”, pode negar-se a fazer esse teste, explicando, delicadamente, o motivo da sua recusa: esse teste simplesmente não existe! Passo a explicar:
Está a generalizar-se a pronúncia e grafia -émia de algumas palavras formadas pelo sufixo grego -emia, que significa “sangue”: *glicémia e *alcoolémia, por exemplo.
Esta grafia está incorrecta, uma vez que esse sufixo não contém qualquer acento gráfico desde a sua origem.
Não deixa de ser estranha esta tendência, visto haver várias palavras terminadas em -emia que são pronunciadas e escritas correctamente, tais como anemia (e não *anémia) e leucemia (e não *leucémia).

Por conseguinte, se não hesita em dizer e escrever anemia e leucemia, então seja coerente e diga que apenas se submete ao teste da alcoolemia!

04 junho 2007

Dispêndio, dispendioso e... despender?!

Estas palavras da mesma família geram confusão na cabeça de muita gente... e por uma boa razão. Pois se dispêndio e dispendioso se escrevem com i, por que razão havemos de escrever o verbo despender com e?

Na verdade, se consultarmos o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, concluiremos que estes dois termos têm uma origem muito próxima. E, em latim, o verbo dispendere escrevia-se com i. Mas, segundo o mesmo dicionário, pelo menos desde o século XIII que despender, em português, se grafa com e. O motivo será este: enquanto dispendiu entrou na língua portuguesa por via culta, dispendere terá entrado por via popular, pelo que se deu a transformação da primeira vogal, de acordo, aliás, com a forma como pronunciamos a palavra ainda hoje.

Não há nada a fazer, por enquanto é mesmo assim: o verbo com e, o adjectivo e o substantivo com i. Quem sabe não acham útil esta espécie de mnemónica de última hora: despender escreve-se com e de vErbo; dispêndio e dispendioso escrevem-se com i de adjectIvo e de substantIvo!