30 outubro 2009

Desafio verbal


Há certas flexões verbais que têm uma sonoridade um pouco estranha, senão mesmo cacofónica. Umas são engraçadas, outras levam-nos a hesitar, quando as pretendemos dizer ou escrever, mesmo quando se trata de verbos de uso corrente.
Que tal experimentarem conjugar os verbos entre parênteses, tendo em conta os contextos fornecidos? Ao que parece, o tempo/modo mais traiçoeiro é o Presente do Conjuntivo...


O professor de ginástica quer que eu _______ mais as pernas. (FLECTIR)

Sou eu que ________ este blogue há mais de três anos. (GERIR)

Tenho de gritar, senão ainda ________. (EXPLODIR)

O júri ________ a criatividade e a expressividade das apresentações. (PREMIAR)

É preciso que deste caos ________ uma nova esperança! (EMERGIR)

Queres que eu ________ já a carne toda? (FATIAR)

Convém que o formato do esquema se ________ ao conteúdo. (ADEQUAR)

27 outubro 2009

O já e o agora que são depois

Interessante, como as palavras tão frequentemente não dizem o que supostamente deveriam dizer. Parece que os falantes se empenham em subverter a lógica da língua, para a tornar mais imprevisível, traiçoeira e... bela, porque não?

Reparem como a palavra pode, paradoxalmente, significar depois, em frases como «deixa-me só acabar de escrever isto e te ajudo», ou « vou, espera só um bocadinho!». É ou não é engraçado?
E vejam como também o advérbio agora foge ao seu sentido imediato (literalmente!), para adquirir um significado imprevisto, sobretudo para os falantes pouco habituados a estes ziguezagues pragmáticos: «fiquei de baixa e agora tenho de ir ao médico na semana que vem!» Isto é como quem diz "e em consequência terei de ir ao médico na semana que vem".
Digo que se trata de "ziguezagues pragmáticos" porque se prendem com usos não previstos nas gramáticas nem nos dicionários, mas que os falantes entendem, porque são suficientemente frequentes, embora estejam relacionados com certos tipos de registo, certas entoações, certos contextos, tornando-se por isso muito difíceis de descrever. São aqueles usos que baralham os estrangeiros, quando eles pensam que já dominam o nosso idioma. E um dos mais curiosos será a palavra bom, que com determinada entoação interjeccional significa precisamente o oposto: "mau!"

23 outubro 2009

Erro à vista II


Decididamente, estou a ficar um pouco lerda.
Então, há dias, quando consultei aquele artigo da Infopédia, não reparei num outro erro gritante, mesmo junto ao "reinvindica"?

"Em 1948, com o apoio da ONU, nasce o Estado de Israel, novamente um centro político para os Judeus. Dão-se, por outro lado, início a novos tormentos, resultantes da oposição árabe a esta nação, com a qual se envolvem em guerras frequentes e duras."

Os leitores atentos encontraram-no com certeza.
Já não sei se devo censurar os profissionais da editora em causa, que publicam textos cheios de "gralhas", se me devo censurar a mim própria, que não reparo em metade delas... de qualquer modo, e censuras à parte, uma coisa é certa: trata-se uma boa fonte de desafios gramaticais para este blogue!



22 outubro 2009

Verbos defectivos


Hoje caiu-me a alma aos pés.
Estava eu a explicar à turma o que era um verbo defectivo, dando o exemplo dos verbos abolir e falir - que só se devem conjugar nos tempos e pessoas em que as formas verbais mantêm a vogal tónica do infinitivo (i), - quando, para meu enorme espanto, ao consultar os dicionários Priberam e Porto Editora, e depois a Mordebe, deparo com esses dois verbos conjugados em todos os tempos e em todas as pessoas. Como é possível?!

A minha pergunta tem o seguinte motivo: aceito que a gramática vá mudando conforme o uso dos falantes e parece-me necessário que as bases de dados lexicais, morfológicas e sintácticas vão sendo actualizadas, em vez de permanecerem rigidamente presas ao passado, quando os falantes já não se identificam com elas.
No entanto, parece-me que as alterações efectuadas a essas bases de dados só se justificam na medida do uso, ou seja, não faz sentido registar as formas "abulo, aboles, abolem" (para abolir), ou "falo, fales, fale" (de falir), se ninguém as passou a usar, se ninguém as reconhece.
Isto porque a gramática explícita, enquanto instrumento de consulta, deve ser uma descrição do conhecimento linguístico dos falantes, não uma "invenção" da autoria de uma minoria de "especialistas".
Posso estar redondamente enganada, mas não ouço dizer, nem nunca li, que "cada vez falem mais empresas", nem que "é preciso que o Governo abula as leis obsoletas"...

Senti-me mais confortada quando verifiquei que o Ciberdúvidas me dá razão, ainda que num texto de 2003. Pelos vistos, já não é actual!













20 outubro 2009

Erro à vista!

Ontem fiquei levemente chocada ao deparar com um erro de ortografia nesta frase, que li na Infopédia, da Porto Editora:

"A Organização de Libertação da Palestina (OLP) reinvindica também um espaço político e nacional para os Árabes da região, secundarizados e vítimas de certa repressão e indiferença hebraica."

Consultei de imediato o respectivo dicionário de língua portuguesa e verifiquei que apresenta a palavra em causa devidamente grafada. Depois, procurei na página um cantinho onde fosse oferecida aos leitores a oportunidade de enviarem comentários e sugestões (que existe no Priberam) e inicialmente não encontrei nenhuma indicação que me permitisse enviar para a equipa a chamada de atenção. Mais tarde descobri: basta clicar em "Centro de contacto", na página principal. Vou enviar à Infopédia uma mensagem!


Por enquanto, a gralha lá continua, indiferente. Pode ser uma falha tipográfica involuntária, mas não deixa de ser grave, considerando que se trata de uma enciclopédia divulgada no mundo inteiro!
Conseguem identificá-la?


15 outubro 2009

O mistério da "perna extra"



Já me referi aqui, em tempos, ao facto de certas palavras "mágicas" utilizadas em embalagens de produtos comercializados em Portugal, como "plus", "extra" e "seleccionado", parecerem funcionar como atractivos para os consumidores, embora na realidade não dêem nenhuma informação que interesse sobre a origem ou a qualidade dos produtos.

E dos produtos cujas descrições nas embalagens são acompanhadas destes pseudo-atributos, o mais engraçado, sem dúvida, é o "fiambre da perna extra".
 Extra, como sabemos, é abreviatura de extraordinário, dado que neste caso não se trata de um prefixo. Um anúncio recente explica que é o próprio fiambre (da perna) que possui essa qualidade fora do normal, mas quem não teve a oportunidade de ouvir o esclarecimento pode pensar que o fiambre provém de uma "perna extra" dos malfadados suínos.
Pode então entreter-se a imaginar porcos mutantes, ou geneticamente modificados, e cuja quinta perna serve assim para proporcionar um lucro ainda maior aos produtores. Outros poderão considerar a hipótese de a expressão "perna extra" constituir um recurso estilístico, não sei se uma metonímia, se uma perífrase, que designaria.......... é melhor não dizer!

Pergunto-me se a tal palavrinha mágica, extra, não deveria ter sido colocada noutra posição ("fiambre extra da perna"), para evitar por completo os mal-entendidos...






13 outubro 2009

"há-des reparar nas gramas"...

Ensina o Ciberdúvidas - e eu acho bem - que o substantivo grama, quando se aplica à unidade de medida de massa, (tal como o quilograma), pertence ao género masculino. Portanto, devemos dizer que «o bebé pesava, à nascença, três quilos e duzentos (gramas)» e não «três quilos e duzentas».

Grama só deve ser empregado enquanto substantivo feminino quando designa "relva", por exemplo na frase «o cão está deitado na grama».

No entanto, o uso, como sabemos, tem um poder imenso sobre a gramática. A história das línguas está cheia de exemplos de palavras e construções que se modificaram ao longo das décadas e dos séculos, por causa do "mau" uso que os falantes lhes começaram a dar. Foi assim que as formas latinas semper, insulsu- e per + ad deram origem a sempre, insosso e para, respectivamente.
Também assim se explica que bêbedo tenha passado a bêbado, que desestabilizar venha sendo reduzido para destabilizar, que a biopsia passe a biópsia e a conjunção comparativa enquanto esteja em vias de se tornar locução, pois tem-se preferido usar enquanto que.

Voltando aos gramas, é interessante notar que já em 1989 (3.ª edição), na sua Breve Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra esclareciam: «Embora a palavra grama se use também no género feminino (quinhentas gramas), os seus compostos mantêm-se no género masculino: um miligrama, o quilograma.» Isto será talvez surpreendente, para quem tem levado a vida a arrepiar-se com quem se refere "às gramas" e aos quilos...

Mas repararam no verbo? «Embora a palavra grama se use»...
Quer isto dizer que tudo o que se use, independentemente de ser correcto ou atentar contra as regras da língua, deva ser registado nas gramáticas? Devemos achar natural que um dicionário de verbos registe que se usa "há-des" e "há-dem" para as flexões do presente do indicativo do verbo haver na segunda pessoa do singular e na terceira do plural (hás-de e hão-de)?!

09 outubro 2009

Acordo para quê?


Muitas são as ocasiões em que me apercebo, com satisfação, de que não sou a única a pensar que o Acordo de 1990, que tarda em fazer-se sentir em Portugal, não vai servir para nada que valha a pena.
E para ilustrar o meu ponto de vista, gostaria de dar aqui alguns exemplos de palavras de uso corrente que, apesar das boas intenções de uniformização ortográfica, vão continuar a escrever-se de forma diferente, em Portugal e no Brasil:

P                     B

aluguer            aluguel
amnistia          anistia
averiguam       averíguam
catorze             quatorze
conceção         concepção
desporto          esporte
encontrámos    encontramos
facto                fato
íman                ímã
indemnizar      indenizar
maioritário       majoritário
metro               metrô
planear            planejar
polémico         polêmico
quotidiano       cotidiano
receção            recepção
registo             registro
soutien             sutiã
stress               estresse
subtil               sutil
...

É uma lista curta, mas poderia ser muito maior. E nem sequer contém palavras que são completamente diferentes (para designar as mesmas realidades) num e no outro lado do Atlântico e que obrigarão à "conversão" dos textos escritos em Português do Brasil, no futuro, tal como agora.
Digam lá se vale a pena gastar tempo, dinheiro e recursos num esforço para uniformizar o que não é uniformizável?


07 outubro 2009

À pesca de erros...

Querem procurar os erros ortográficos presentes neste texto? São oito...


Com as novas tecnologias, muita gente exita entre dispender o seu tempo de laser em frente à televisão e navegar na Internet. Na faixa etária dos 20 aos 30 anos, há pessoas que já exibem um comportamento obcessivo face ao computador, que as afasta do contacto inter-pessoal e as torna fisicamente debéis devido à falta de exercício. Haverá, concerteza, excepções. Mas é necessário que dê-mos mais importância ao problema, se não queremos correr o risco de assistir ao envelhecimento precoce da população.

02 outubro 2009

Concordância, concordância...

  Muito sinceramente, venho confessar uma dúvida que me assaltou hoje, enquanto lia A Arte de Ler, de José Morais, um livro de 1997, mas interessantíssimo e extremamente completo sobre psicologia cognitiva da leitura. Deparei com esta frase:

Tudo isto constitui factores de diferenciação. (p. 256)


  A minha primeira reacção, ao ler «constitui factores», foi voltar atrás e confirmar que não havia ali nenhuma falha de concordância, dado que estava em presença de uma forma verbal no singular («constitui») e de um nome no plural («factores»). Quando verifiquei que o sujeito era a expressão «Tudo isto», lembrei-me da regra ditada por Celso Cunha e Lindley Cintra: «o verbo ser concorda com o predicativo [...] quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes isto, isso, aquilo, tudo ou o (= aquilo) e o predicativo vem expresso por um substantivo no plural» (p. 354, na 3.ª edição Breve de 1989).
Está bem, na frase em questão não temos o verbo ser, mas sim o verbo constituir. Porém, se o correcto, com o primeiro verbo, seria Tudo isto são factores de diferenciação, isso não sugere que a mesma regra se deveria aplicar ao verbo constituir, que aqui tem exactamente o mesmo significado?!

  Ao que parece, a resposta é não. E é verdade que ler "Tudo isto *constituem factores de diferenciação" não me agradaria mais...
   No entanto, parece-me que se trata de um daqueles casos em que a emoção deve pesar mais do que a razão. Aliás, Cunha e Cintra explicam que a concordância do verbo ser com o predicativo, no caso acima referido, se explica «pela tendência que tem o nosso espírito de preferir destacar como sujeito o que representamos por palavra nocional, pois esta alude a realidades mais evidentes».
  Então, se o que está certo não tem uma sonoridade agradável, eu optaria por modificar a frase, até que ela me soasse bem. Por exemplo, usando o verbo ser...