29 setembro 2009

Beijos, beijinhos e beijinhos grandes

   Se é verdade que as redundâncias saltam mais à vista (há dias um candidato a uma junta de freguesia prometia "enfrentar os problemas de frente"), não é menos certo que os contra-sensos são de evitar.
As pessoas que se despedem com "beijinhos grandes", por exemplo, ainda não devem ter reparado que assim se denunciam como mentes contraditórias, o que naturalmente não abona em seu favor.


  Devo dizer, porém, que a interjeição de despedida que se criou recentemente na nossa língua, "beijinhos!", é bastante afectuosa e original. Para além disso, dizer a palavra "beijos" é uma forma forma bastante prática e indubitavelmente mais higiénica de substituir o acto de beijar outra pessoa na face (podíamos até passar a dizer "beijos" também quando nos encontramos!). Finalmente, é uma forma eufemística de pormos fim à conversa sem mandarmos a outra pessoa para o Além, com o terminal  "adeus", e também sem nos comprometermos ao reencontro, através de um "até logo" ou de um  "até amanhã" que poderia, em muitos casos, revelar-se inconveniente, ou dar azo a mais dez minutos de diálogo.

   Os beijinhos são simpáticos e educados qb, embora tenham o inconveniente de serem desaconselhados para o uso estritamente masculino, a menos que a relação entre os intervenientes dite o contrário.
  
    Estou em crer que a despedida dos "beijinhos" terá surgido nos contextos em que as pessoas comunicavam sem se verem, como por exemplo ao telefone, e assim começaram a pronunciar o nome que se tornou interjeição. Daí até se ter instalado no nosso léxico como uma das palavras que mais vezes pronunciamos ao longo do dia (nós, mulheres, está claro), em paralelo com "não" e "aaah..." foi um instantinho.

     Logo surgiram as variantes, como os "beijos" (para uma despedida mais formal), o "beijo" (mais sedutor), os "beijinhos grandes" (das tias?) os "jinhos", as "beijokas" e as "jokas" (para a malta jovem), os "beijos, queijos e alfaces fresquinhas" (para amigos com mais tempo e criatividade) e outras versões mais económicas, como "bjks" e "bjs", para mensagens de correio electrónico e telemóvel.
 

     Parece-me que, perante uma fórmula de despedida tão agradável, eficaz e versátil, mas que infelizmente fica melhor às mulheres, os homens precisam urgentemente de encontrar algo semelhante, para poderem beneficiar das mesmas vantagens nas despedidas verbais. Permitam-me, leitores, que vos deixe as seguintes sugestões: "aperto-de-mão", "toque-no-ombro" e "palmadinha". Que tal?
  

25 setembro 2009

Maldito hífen


Acreditam que há certas coisas na língua portuguesa que me fazem odiá-la?

Uma delas é certamente o hífen, esse tracinho malvado que nunca se sabe muito bem quando é que vai aparecer, nem porquê.
Deixo apenas alguns exemplos que espero sejam elucidativos da minha quezília:

Se casa de banho se escreve sem hífenes, porque é que casa-comum, que tem exactamente o mesmo significado (mas nunca ouvi ninguém usar), há-de ter?

A propósito, como é que o falante comum percebe que deve escrever há-de e hei-de (com hífen), mas havemos de e haveis de (sem ele)? Traz uma cabulazinha no bolso para se lembrar de que o hífen só se usa no verbo haver + de quando as suas formas são monossilábicas? Ou tira primeiro um curso de gramática em 10 lições, para poder perceber o que isso significa?

Se cor-de-rosa é assim, enfeitadinho com ele, qual a razão para que cor de laranja não tenha direito ao mesmo tratamento? É mesmo um mistério, considerando que até a cor-de-burro-quando-foge já foi promovida...

Por que motivo o hífen não se usa com a camisa de noite nem com a camisa de dormir, mas já acompanha a camisa-de-forças e... a camisa-de-vénus?

Qual é a lógica de sala de estar e salada de frutas serem palavras às pinguinhas, sem nada a ligar os termos que as compõem, quando outras semelhantes têm direito a hífenes nos dicionários, embora apenas dezasseis pessoas vivas em Portugal saibam que elas existem, como sala-e-três-quartos (mais conhecida por «apartamento T3»), ou sal-e-pimenta (que designa, pasmem, um tecido feito com fios brancos, pretos e cinzentos)?

Serei apenas eu que desespero com o hífen, ou há mais quem se enerve ligeiramente com a ideia de ter de ir sete vezes por dia ao dicionário (reparem: é mais do que o número de vezes que vou à casa de banho...) verificar se as palavras compostas por justaposição levam, afinal, os malditos tracinhos ou não?

Enfim, como esclarece o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, «somente um vocabulário afro-luso-brasileiro delimitará praticamente a questão»!

23 setembro 2009

Meio-dia e meio e setecentos e oitenta e um euro

Há duas tendências portuguesas para o erro de expressão que me parecem particularmente engraçadas, enternecedoras, até.

Uma é o «meio-dia e meio». Acho bonita esta vontade incosciente de harmonizar a expressão, que ganha sem dúvida uma musicalidade mais interessante, fica com uma prosódia mais rica, quando a última palavra se torna o eco perfeito da primeira. «Meio-dia e meia», depois de ouvirmos «meio-dia e meio», torna-se esquisito, mal-sonante, quase absurdo.
Fora de brincadeiras: «meio-dia e meio»... quê? Se for meio-dia, mais outro meio, estaremos a referir-nos, afinal... à meia-noite?! Se dissermos «meio dia e meia», fica subentendida a palavra hora. Pode não soar tão bem, mas é correcto.

Outra é o «euro» singular dos número cujo último algarismo é 1. Por exemplo, no extenso dos cheques: «setecentos e oitenta e um euro». Uma questão de concordância, pois claro!! Se o numeral um é singular, não ficaria nada bem segui-lo do nome plural euros. E no tempo dos escudos havia já quem se regesse por essa lógica: «novecentos e noventa e um escudo
Dá vontade de perguntar: se só um é que é euro, os setecentos e oitenta são o quê? Palhaços?




18 setembro 2009

Acresce ao desafio



Imaginemos que um dos nossos prezados leitores tem a seu cargo a tarefa de redigir um aviso semelhante ao da imagem e se interroga sobre a forma mais correcta de o fazer... «jipes, carrinhas e monovolumes pagam mais dois euros. Como é que eu escrevo isto sem ser como se estivesse a falar?»
Ora, o verbo acrescer é bonito e soa bem, é, sim senhor. Mas como não se usa muito em linguagem corrente, é normal que hesitemos ao tentar construir com ele uma frase clara e ao mesmo tempo correcta. Se o nosso leitor acabasse por escrever aquilo mesmo que ali se reproduz, teria feito um bom trabalho ou deveria tentar melhorar o resultado?


16 setembro 2009

Propriedade global

   Iniciámos este blogue com plena consciência de que o respectivo conteúdo poderia ser lido e, na medida do interesse dos leitores, reproduzido, aproveitado e usado das mais diversas maneiras, por um número incontável de pessoas em todo o mundo. E é para isso mesmo que serve a Internet, bendita seja.
  No entanto, como pessoas respeitadoras dos outros (e ingénuas?), esperámos que quem copiasse os nossos textos e os divulgasse noutro lado se preocupasse em referir a fonte, ou seja, que mencionasse a nossa autoria junto aos textos que fossem reproduzidos ou publicados noutras páginas (virtuais ou impressas).

  Assim, foi com alguma indignação que descobrimos que este nosso texto, por exemplo, consta de um blogue pessoal cujo autor mais não refere além do facto de lhe ter sido enviado por e-mail por alguém chamado “Kriatividades”. Um nome que não deixa de ser irónico, tendo em conta a situação...
   Mas não temos ilusões: na era da globalização, não há trabalho intelectual que se preze que não seja do mundo inteiro. Se há teses de mestrado e doutoramento que são copiadas na íntegra e apresentadas a júris como se fossem originais, como é que um pequeno esclarecimento sobre uma dúvida linguística poderia escapar à voracidade dos "info-incluídos"?

10 setembro 2009

Ponto, vírgula e acento

Mais uma vez, a foto não serve para criticar gratuitamente os outros, mas apenas de pretexto para esclarecer quem queira ser esclarecido sobre aspectos relacionados com o uso da língua - neste caso, com a acentuação e a pontuação.
Aqui, houve a preocupação de colocar um vírgula... mas erradamente, pois interpõe-se entre o predicado («agradecemos») e o complemento directo («que avance»...). No entanto, foi esquecido o ponto (ou vírgula) a separar a oração principal (que termina em «abastecer») da interjeição de agradecimento («obrigado»), bem como o ponto final após essa interjeição.
Ora, isto acontece frequentemente: textos que pecam pelo uso acrítico e incoerente da pontuação. E o que é que isso importa? - Perguntarão alguns. Nada, talvez, para muita gente. Mas se queremos exprimir-nos com correcção e rigor, a pontuação não deve ser descurada.
Por outro lado, há aqui mais um esquecimento: o nome «veículo» leva acento agudo, por ser palavra esdrúxula (a tónica recai na antepenúltima sílaba: VE-Í-CU-LO), e assim se distingue da forma verbal (eu) veiculo, que é grave (isto é, acentuada na penúltima sílaba: VE-I-CU-LO). Trata-se, também, de uma falha frequente nos textos escritos: acentos a menos... por vezes (embora não seja aqui o caso) alternados com acentos a mais!

07 setembro 2009

"Vir ao de cima" ou "ao de cimo"?

Qual será a construção correcta deste provérbio português tão conhecido?

«A verdade e o azeite vêm sempre ao de cima»
ou
«A verdade e o azeite vêm sempre ao de cimo»?

Ao de cima é uma locução adverbial que significa «à superfície». Cimo é um nome masculino que designa a parte mais elevada de alguma coisa. Seria correcto utilizar a expressão «ao cimo», mas não “ao de cimo”!
Por conseguinte, a construção correcta é «a verdade e o azeite vêm sempre ao de cima».
Azeite, de cima; mel, do fundo; e vinho, do meio!

02 setembro 2009

"Rugby" à portuguesa


Há palavras estrangeiras que não custa nada adaptar. É o caso do futebol e do andebol, que, por mais celeuma que tenham causado na altura em que se passaram a escrever à portuguesa, hoje não nos chocam, nem provocam hesitações, embaraços ou birras, pelo menos que se note.
Outras, como o nome do desporto britânico rugby, causam verdadeiro stress (setress? Stresse? Setresse? Estresse?!) a quem as pretende dizer ou escrever.
Mas as dúvidas na escrita resolvem-se mais facilmente. Basta consultar um dicionário para verificar que o aportuguesamento do nome inglês resultou na forma râguebi, que, se tem um aspecto cómico e pouco convincente, pelo menos resolve o problema ortográfico, uma vez que se encontra consagrada em diversos dicionários e é, portanto, 100% correcta. Isto não significa, porém, que não haja outras possibilidades para grafar o termo em português. O Dicionário Houaiss regista também rúgbi (só para gerar a polémica...) e, por enquanto, ainda podemos optar por escrever rugby, em itálico.
Contudo, quando alguém pronuncia a palavra - e aqui está mais uma daquelas singelas incongruências do nosso idioma falado - o que oiço, na maior parte das vezes (e não é coisa de agora), é "râibi", com ditongo no início e sem o g antes do b. Porquê? Não faço ideia.
Minto. Tenho uma ideia. O que sinto (é mais prudente dizer que se trata de um sentimento) é isto: as pessoas parecem recear que pronunciar rugby à inglesa seja um sinal de pretensiosismo e procuraram uma forma fazer com que o estrangeirismo lhes saia mais rápida e discretamente. Como se dizer "râguebi" estivesse ao nível de pronunciar ténis e hambúrguer como "téniss" e "hembârgar".
Experimentem: a boca até fica mais fechada quando dizemos "râibi", comparativamente a "râguebi", que também demora mais tempo a dizer. E reparem que, com muitos estrangeirismos, aconteceu o mesmo: a forma como os pronunciamos, em português, mstra bem que não temos a intenção de andar para aí a imitar os sotaques alheios. Dizemos "penálti" em vez de "pénalti", "lizing" e não "lissing" (leasing), "ultimaite" e não "âltimate" (ultimate). Ou seja, lemos as palavras à nossa maneira, até porque nem sempre sabemos como é que elas se pronunciam na língua de origem. Isto acontece sobretudo quando as palavras têm uma forma gráfica demasiado estranha ou imprevisível quanto à pronúncia. E para não arriscar fazermos rir os outros com a nossa tentativa de "falar estrangeiro", preferimos fazer ligeiras adaptações fonéticas às palavras que importamos.
Resta saber se o "râibi" ainda vai dar origem a mais uma variação gráfica do rugby...