31 março 2010

Assento-lhe o acento... ou não?!


Ao ler uma história aos meus filhos, deparei com este «avôzinho», que é erro muito frequente.

Nas palavras terminadas em -zinho e -zito, o acento tónico recai sempre na sílaba "ZI". Por esse motivo, não podemos colocar acento gráfico noutras vogais, ainda que estas sejam "quase" tónicas, ou seja, subtónicas (porque são, na verdade, as vogais tónicas das palavras das quais essas derivam).

Assim, não se devem escrever com acento  as palavras avozinho, avozinha, cafezinho, chazinho, pezinho e sozinho, mesmo sabendo que avô, avó, café, chá, pé e levam acento gráfico!

26 março 2010

"Crianças abusadas" ou "vítimas de abuso"?

“Crianças abusadas” é uma expressão incorrecta do ponto de vista sintáctico. E porquê?
Abusado é o particípio passado de um verbo que rege a preposição de (por exemplo: «não abuses da minha paciência!»). O verbo abusar não tem, pois, complemento directo, pelo que não pode ser conjugado na voz passiva.
Tal como não é sintacticamente correcto dizer “ele abusou a criança”, também não é possível transformar essa estrutura activa numa passiva: “a criança foi abusada por ele”.
Assim, para se exprimir a ideia de «maltratar sexualmente, violar», devem utilizar-se expressões como «crianças que sofreram abusos» ou «crianças vítimas de abuso».

21 março 2010

Ensaio sobre o Medo

O novo trabalho de Isilda Paulo, levado ao palco pelo Grupo Artes Cénicas, em cena no Auditório da Associação de Moradores do Bairro 18 de Maio, na Outurela (Carnaxide), é um "ensaio" em duas partes, que nos convida desde logo a tomar uma posição crítica por meio do título, que é como um imperativo intelectual: "ensaio sobre", ou seja, "reflexão para reflectir". Que é como quem diz: "isto é o que eu pensei, e vocês, o que pensam?"
Unindo Brecht a Pirandello, esta peça revela-se bem mais original do que à partida poderia parecer. A vida e o teatro misturam-se num arriscado movimento de fusão, que conduz os actores a um empolgante clímax do qual nem o público sai incólume, pois não há ninguém que não esteja envolvido neste drama surpreendente, em que afinal se encena muito mais do que o medo, embora este seja o leit-motiv explicitamente eleito.
O medo, sabemo-lo, pode ter inúmeras facetas e estar relacionado com tudo o que fazemos e tudo o que somos. Não há ninguém no mundo que nunca tenha sentido medo.
Podemos ter medo de alguém em particular ou de tudo e todos os que nos rodeiam, como na Alemanha de Hitler, podemos ter medo de assumir um erro cometido e de sofrer as consequências, como os amantes adúlteros, podemos ter medo de nós próprios e do que poderemos ser capazes de fazer, em situação de crise. O medo compõe uma paleta de infinitas tonalidades que nos colora permanentemente a alma, desde os tons mais suaves, do medo que os outros sentem da nossa falta de medo, passando pelos tons vivos e fortes do medo da rejeição, de não sermos amados, até aos mais sombrios e carregados, do medo autodestrutivo, aniquilador. Porque o medo é a primeira e mais íntima forma de violência, aquela da qual somos vítimas antes de qualquer outra. Tolhe-nos a racionalidade, vira-nos contra os outros e contra nós próprios. De nada nos serve, pois a inocência torna-se ainda mais frágil, minada pela certeza antecipada da vitimação; e a culpa denuncia-se, enquanto agoniza na incerteza na sua descoberta. O medo é a nossa grande fraqueza, o nosso defeito de fabrico. E a força que possamos reunir contra ele, longe de o poder anular, será a força de o compreender.
Como é hábito, os actores percebem-se fortemente empenhados, este é um trabalho de amadores profissionais. Mas entre todos, destaco Jorge Aurélio, mais uma vez. Provavelmente, por ser o único que conheço (e mal) fora do palco. Ainda assim, tento explicar o que me entusiasma no seu desempenho: a dicção impecável, a postura séria, empenhada, que me faz sorrir, mesmo quando ele é dramático. A sua arrebatada e arrebatadora forma de ser em palco. Sem excessos, sem falhas, sem fraquezas. Sóbrio, elegante, pura e simplesmente genial. Todo o elenco, porém, está de parabéns!

 
Não desperdicem a oportunidade de ver esta peça, por apenas 5 euros, durante este mês, em Carnaxide!

19 março 2010

Qual o plural de "sem-abrigo"?


Hoje, uma aluna fez-me uma pergunta muito interessante. Tinha lido num jornal uma frase do tipo "Sem-abrigo têm nova instituição de apoio" e achou estranho que o verbo estivesse no plural, pois não havia "s" no nome e a ausência de determinante não ajudava a esclarecer a dúvida, pelo contrário.

Quando me perguntou se aquilo fazia sentido, confesso que tive dúvidas. Parecia-me que sim, mas não conseguia encontrar nenhuma regra, na minha cabeça (influenciada pela gramática CUNHA & CINTRA) que justificasse o singular "abrigo", quando se trata de um nome, que supostamente deve ser flexionado no plural. Então, inclinei-me para o plural "sem-abrigos" (tendo em conta a lógica C&C: se um dos termos do composto é palavra invariável e o outro um substantivo, só se flexiona o substantivo), mas aconselhei-a a consultar o Ciberdúvidas, porque ainda me restavam dúvidas.

E ainda bem! Afinal, a expressão "sem-abrigo" pressupõe uma oração de tipo adverbial (o sem-abrigo é aquele "que não tem abrigo") e por isso não se considera necessário referir "abrigos" quando quem não tem onde se abrigar são várias pessoas em vez de uma.  Ao que parece, é  por ter carácter adverbial que esta expressão é invariável, tal como os advérbios. Se por um lado isto pode parecer estranho, porque afinal estamos a falar de um nome e não de um advérbio, acaba por ter lógica, quando comparamos esse nome com uma expressão semelhante. Optar por dizer "os sem-abrigos" será mais ou menos como, em vez de "os de além" dizermos "os de aléns"... não faz sentido!
Infelizmente, muitas gramáticas são omissas quanto a este e outros casos semelhantes, como sem-terra e sem-tecto, que são compostos igualmente uniformes.

E assim se vai aprendendo sempre, e também com os alunos!





15 março 2010

As partidas que os "és" nos pregam


Este, confesso, é dos erros que a mim me apanham desprevenida. Até já publiquei algures neste blogue um texto onde escrevi "vêm" em vez de "vêem", ou vice-versa. Só muito mais tarde corrigi o erro e foi preciso que alguém me alertasse para isso! Assim, não é para condenar ou ridicularizar ninguém que aqui coloco esta fotografia, mas apenas para ilustrar o texto, com uma imagem colorida e elucidativa.
Mas a pronúncia, se dissermos a palavra muito devagar, não engana, ainda que em nenhum dos casos (vêm ou vêem) as letras tenham uma correspondência lógica ou inequívoca com os sons. 
No caso da flexão do verbo vir (e na pronúncia-padrão para o português europeu), temos, nas duas sílabas, o mesmo ditongo nasal: [vαjαj] (por favor, imaginem que há um til por cima dos ditongos, que eu não consigo lá pô-lo!). Já na flexão de ver, temos apenas um ditongo, sendo que a primeira sílaba nem sequer é nasal: [veαj] (agora imaginem o til apenas sobre as duas vogais finais).
Ora, à partida, não faz propriamente sentido que, vêem, de ver, se escreva com dois "és", ao passo que vêm, de vir, se escreva apenas com um, dado que, em ambos os casos, há mais do que um som vocálico em causa. Porém, eu costumo dizer aos meus alunos: quando há dois sons diferentes para o e - [ve]-[αj] - precisamos de duas letras e: vêem. Quando o e tem o mesmo som, [vαj]-[αj], basta uma: vêm.
Será que isto ajuda? Espero que sim!

09 março 2010

Sediada ou sedeada?


   Não é raro ver-se escrita uma frase cujo sujeito é «A empresa X, sediada/sedeada em...», e também não são raras as dúvidas sobre a vogal que vem a seguir ao d, por parte de quem precisa de escrever o verbo em questão e por parte de quem o lê com uma determinada grafia em detrimento de outra.

«Dúvidas? Mas porquê, se o verbo deriva do nome sede, que se escreve com e no fim?» - Perguntarão, talvez, algumas pessoas. Porém, como sabemos, a última vogal de um nome nem sempre se mantém nos respectivos derivados, ou por razões etimológicas, ou porque os sufixos começam frequentemente por vogal, sobrepondo-se esta à vogal final da palavra base. Exemplifiquemos:

pulso > pulseira
cabo-verde > cabo-verdiano
cabeça > cabecear
presença > presenciar

   Ora, como vemos, existem dois sufixos verbais com formas parecidas: -ear e -iar.
   Contudo, achamos que há uma diferença importante entre eles: o primeiro, -ear, exprime uma ideia de movimento, de deslocação, que está presente nos derivados que o contêm: cabecear (abanar a cabeça), pontapear (dar pontapés), folhear (passar as folhas), nortear (encaminhar para norte) - e inclusivamente o verbo sedear, que, com esta grafia, significa «escovar com sedas».
   Já o segundo sufixo, -iar, não transmite essa ideia. Em premiar (dar um prémio), presenciar (estar presente), remediar (dar remédio), chefiar (ser o chefe) e sediar (estabelecer sede) não há qualquer relação com movimento. Assim se justifica, no nosso ponto de vista, que o significado «ter sede em» seja veiculado pelo verbo sediar, com i.





02 março 2010

Eirós ou eiroses?


O que diriam?

a) Naquele restaurante servem umas eiroses deliciosas.

b) Naquele restaurante servem umas eirós deliciosas.

c) Nenhuma das duas anteriores, porque não sabem qual é o restaurante nem provaram essa suposta delícia.

d) Nenhuma das três anteriores, porque não sabem se o plural em questão é eirós ou eiroses.














A resposta correcta (para quem conhecesse o restaurante!) seria a b), pois eiró, como filhó, é a palavra feminina no singular. A forma do plural é eirós, como filhós.