30 maio 2007

SE com hífen ou sem?

Por sugestão de uma leitora, voltamos a mencionar uma dúvida frequente, que é a do emprego (ou não) do hífen em certas formas verbais.

Já havíamos abordado a questão no texto intitulado “Lavaste e Lavas-te”, mas nem sempre a hesitação de quem escreve se prende com a terminação TE, pelo que agora nos referimos às formas terminadas em SE, que também causam confusão.

Assim, vejamos: existem várias diferenças entre telefona-se e telefonasse.

Quando escrevemos telefona-se, estamos a associar a forma verbal (que está no tempo Presente do Indicativo) ao pronome SE, que neste caso representa a indefinição do sujeito (alguém telefona, não interessa quem). Nesta situação, o pronome muda de lugar quando formulamos a frase na negativa (“Não SE telefona a ninguém a estas horas!”) e isso indica que devemos separá-lo do verbo por meio de hífen.

Se escrevermos telefonasse, o tempo é o Pretérito Imperfeito do Conjuntivo e o verbo está na primeira ou terceira pessoa do singular. Aqui, a terminação em -se não pode ser separada por meio de hífen porque faz parte do verbo, não se trata de um pronome. Prova disso é o facto de não mudar de lugar quando a frase está na negativa: “Ela pediu-me que não lhe telefonasSE para o emprego” (e não “ela pediu-me que não lhe SE telefona para o emprego”, o que seria absurdo).

Espero, com este texto, ter esclarecido a dúvida da leitora que nos enviou a sugestão, bem como a de muitos outros leitores! E que continuem a escrever-nos :)

29 maio 2007

Solução - Uma frase, várias interpretações

Estão, então, encontradas as três possíveis interpretações da frase:
“Durante as férias, o Pedro só escreveu cartas à Rita”.

1. A única pessoa a quem o Pedro escreveu cartas foi à Rita (Não escreveu à Maria, nem à Ana... Só à Rita).
2. A única coisa que ele fez durante as férias foi escrever cartas (Não foi à praia, não andou de bicicleta... Só escreveu).
3. A única coisa que ele escreveu foram cartas. (Não escreveu postais, nem e-mails... Só cartas).
O elemento desencadeador da ambiguidade é a palavra , que tem escopo (i.e., controlo) unicamente sobre as expressões que estão à sua direita. Quer isto dizer que não podemos inferir, por exemplo, que o Pedro foi a única pessoa que escreveu cartas à Rita.
A língua tem destes mistérios! Valeu o desafio?

25 maio 2007

Uma frase, várias interpretações

Na Língua Portuguesa, há algumas frases que são ambíguas, ou seja, podem ter mais do que uma interpretação.

A título de exemplo, observe-se a frase “O professor falou aos alunos de literatura”, que pode significar: 1. O Professor falou sobre literatura aos alunos; 2. O professor cumprimentou os alunos de literatura.

O desafio que vos deixo neste fim-de-semana chuvoso é tentarem descobrir quais as TRÊS interpretações que a seguinte frase pode ter:


“Durante as férias, o Pedro só escreveu cartas à Rita.”

23 maio 2007

O Passado que nem sempre o é

Quem não usou já o verbo passar no Particípio Passado (precisamente: passado), como se fosse invariável?

Eu já me apanhei a mim própria a dizer “passado meia hora...”, confesso. No entanto, sei muito bem que se trata de um erro – daqueles que nos saem pela boca antes mesmo de podermos pensar no que estamos a dizer!

Mas é verdade, o Particípio Passado (nas orações participiais) deve sempre concordar com respectivo sujeito, quer esteja antes ou depois deste, ou seja, deve estar no masculino ou no feminino, no singular ou no plural, conforme o caso. Assim, diga-se (e escreva-se) “passadas duas horas” e não “passado duas horas”. Dá mais trabalho, leva mais tempo, mas fica melhor!


21 maio 2007

Se as palavras falassem...

Se as palavras falassem, certamente contariam histórias bastante interessantes! Muitas deliciar-nos-iam com o seu percurso de vida!
Viajem comigo pela história de algumas!

A palavra profissional começou por designar alguém que exerce uma determinada profissão, usada por oposição a amador, por exemplo: “Ele tira boas fotografias, mas não é profissional”, ou seja, “não faz da fotografia a sua profissão”.
O significado deste adjectivo estendeu-se a “alguém muito competente numa dada área”, por exemplo: “Ele é muito profissional naquilo que faz, trabalha com bastante profissionalismo”. Verificamos, portanto, a passagem de um adjectivo que não admitia variação em grau (ou é profissional, ou é amador) para um adjectivo que, sendo sinónimo de “eficiente, competente”, já admite flexão em grau: “muito/pouco profissional”.
Um percurso bastante interessante têm também os derivados pelo sufixo -aria, dos quais destaco a palavra ourivesaria, cujo significado original é: “arte, actividade do ourives”, por exemplo, na frase “Ele trabalha em ourivesaria há mais de 10 anos”.
O segundo significado surge em sequência do primeiro, quando se cria um local para exercer essa actividade. Temos, então, um sentido locativo, patente em “Comprei este anel na ourivesaria do centro comercial.”
E se considerarmos frases como “Ela guardou toda a sua ourivesaria no cofre, antes de ir de férias”, então estamos perante um sentido colectivo, que exprime “o conjunto dos objectos em ouro e prata”.
As palavras não falam, mas a sua história fala por elas!

17 maio 2007

Escreva-se mais poesia!

Confesso que não costumo comprar livros de poesia, nem tão-pouco escolher poemas em vez de contos ou romances, quando tenho tempo para ler. Confesso que muita da poesia que já tentei decifrar me deixou desconcertada, com a sensação frustrante de se ter mantido fechada a porta de acesso ao sentido final, por obscuridade intencional da linguagem do poeta ou por incompetência da minha parte. Ler poesia pode ser, de facto, mais do que um desafio, um trabalho árduo e desmotivador*.

Mas a poesia é sempre uma festa, quando nos propomos brincar com a língua, inventar frases como quem vai cantarolando. Escrever um poema é como jogar um jogo solitário do qual saímos sempre a ganhar, pelo simples prazer de alinhar palavras como quem brinca com um puzzle que permite um número infinito de combinações. Seja ou não rimado, o poema tem ritmo, tem aquela qualidade musical que faz dele o texto mais lúdico, mais divertido de compor. Talvez seja por isso o género mais indicado, quando se pretende motivar crianças e adolescentes para a escrita. Prova disso é que muitos o experimentam, mesmo sem que alguém o sugira ou imponha.

Todavia, hoje perguntei aos alunos de uma turma se não queriam trazer, na próxima aula, alguns poemas da sua autoria. Perante os olhares de admiração da maior parte deles, perguntei-lhes se não tinham escrito poemas na adolescência, o que eu achava que era normal e frequente. Uma resposta entristeceu-me: «Na nossa adolescência, o que escrevíamos eram mensagens de telemóveis!...»

Não me digam que já não há poesia na adolescência!

* Nota: experimentei procurar “desmotivante”, palavra legitimamente formada, mas os vários dicionários que consultei não a registam. Contudo, tem 507 ocorrências no Google, só em páginas de Portugal... começo a pensar que o Jaime tem mesmo razão em usar um motor de busca em vez de um dicionário para saber se uma palavra existe!

16 maio 2007

Dúvidas precisam-se

“Dúvidas precisam-se”... Será esta construção correcta? Cheguei a um ponto em que tenho dúvidas sobre cada frase que ouço ou digo, em português. Maldita profissão!

É que, embora aprenda muito a duvidar de mim própria, há muitas perguntas que ficam sem resposta, mas que nem por isso são esquecidas – voltando insistentemente para me atormentar. Perdoem-me o desabafo, mas o excesso de dúvidas sem resolução incomoda-me. Foi talvez por isso, também, que abracei com tanto entusiasmo a ideia de criar este blogue.

No entanto, agora que assumi a função de esclarecer as dúvidas alheias (além das minhas), de oferecer a todos respostas sobre as suas perguntas de português, deparei-me com a falta delas. Não de respostas, mas de perguntas. Não há por aí ninguém a quem eu possa esclarecer?

14 maio 2007

Entre impacto e impacte... afinal há diferença?

Serão poucos os que ainda têm dúvidas quanto à utilização da palavra impacto, que se generalizou como substantivo, com o significado de “embate” ou “forte repercussão”.

Mas na verdade, e em rigor, impacto é o Particípio Passado do verbo impactar (o mesmo que “meter à força”, “impelir contra”) e o termo a usar (enquanto substantivo) quando nos referimos a uma “colisão” ou a uma “consequência nefasta”, por exemplo no ambiente, seria impacte.

Todavia, há muito que os portugueses abandonaram a forma terminada em e, preferindo impacto em todas as circunstâncias. Talvez na assunção de que impacte fosse como equipe ou camionete, um termo provindo do francês e que deveria ser aportuguesado. Ou talvez por se ter criado a ideia de que impacte era um brasileirismo a evitar em Portugal.

O que é certo é que hoje, por cá, não só se usa pouco ou nada a versão impacte, como muito pouca gente sabe que o termo impacto foi (e ainda é!) um adjectivo participial, antes de ser um nome.

10 maio 2007

Calotas e calotes


Já experimentaram ir ao dicionário ver o que significa a palavra calota (ou calote)?
Certamente terão uma surpresa, se estiverem à espera de encontrar uma explicação do sentido que o termo pode ter em frases tão frequentes como estas: «Conselho do Árctico alerta para degelo na calota polar»; «degelo na calota polar da Groenlândia duplicou nos últimos 25 anos»; «Estacionaremos junto à calote polar, que é um mar impressionante de gelo». Trata-se de um daqueles vocábulos que comprovam o facto de os falantes andarem sempre, por assim dizer, um passo adiante, em relação aos dicionários.
Como é natural, se estes atestam o conhecimento lexical dos utilizadores da língua, é preciso que, primeiro, as palavras sejam consagradas pelo uso – só posteriormente aparecerão nas páginas impressas ou virtuais dos diversos dicionários disponíveis.
Mas é de lamentar que, nos dias que correm, com os instrumentos que temos, eles não sejam actualizados com maior frequência. Espanta-me que o dicionário Priberam apresente apenas a seguinte definição para calota: «(do Fr. calotte) s. f., Mat., parte de uma superfície esférica limitada por um plano que a corta; parte superior da caixa craniana; solidéu; peça que protege as extremidades dos eixos dos automóveis.» e esta para calote: «s. m., dívida que não se pagou ou que se contraiu com tenção de a não pagar.» - deixando omisso esse significado de “região coberta de gelo”, que anda ultimamente na boca de tanta gente e que a Wikipédia tão claramente apresenta.
Acaba por ser mais proveitoso fazer uma pesquisa no Google do que consultar um dicionário, pelo menos em certos casos, o que, a meu ver, é um mau sinal. E é de referir que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências, obra impressa publicada em 2001, tão criticada por muitos, apresenta essa acepção da palavra, que é sempre feminina e tem, para já, duas variantes: calota e calote.

09 maio 2007

Teatro com “is” a mais


Quem não vai ao teatro porque é muito caro só tem de agarrar no filho, sobrinho, afilhado ou vizinho e usufruir da excelente iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras (e não só, provavelmente...), que oferece a oportunidade de assistir, sem qualquer custo, a espectáculos diversos de animação infantil ao longo de três meses: de Abril a Maio de 2007. A única condição é que cada adulto se faça acompanhar de uma criança.

Sei que já vem tarde este aviso, mas fiquem atentos, pois é muito provável que haja outras iniciativas do género, em ocasiões futuras. E hoje em dia, com a divulgação que a Internet permite, não há desculpa para não estarmos informados.

Este domingo, assisti a uma divertida peça encenada pelo Teatro Camarim, chamada “Zé Pateta, Zé Poeta”. História simples, mas contada com tanta naturalidade, tanta arte, que todos tivemos pena quando chegou ao fim. E nada melhor para nos arrancar umas boas gargalhadas, precisamente no dia mundial do riso!

Contudo, para mim, houve um momento em que me arrepiei, perante o mau uso do português: à semelhança do que já aconteceu numa certa novela cuja acção se passava num século distante, as personagens dirigiam-se umas às outras usando a segunda pessoa do plural, sem saberem conjugar convenientemente os verbos no Pretérito Perfeito. E assim, em vez de vós fizestes e vós visitastes, iam dizendo vós fizésteis e visitásteis, com toda a propriedade.

É pena... e, afinal, estão a complicar algo que até é simples! Mas é natural, se pensarmos bem. Porque há muita gente que usa “fizestes” e “visitastes” com a segunda pessoa do singular (tu), daí, talvez, a vontade inconsciente de criar uma flexão distinta. Por outro lado, a terminação em “is” é uma marca típica da pessoa vós, em tempos como o Presente ou o Pretérito Mais-Que-Perfeito do Indicativo (vós estais, vós estivéreis). Junte-se a isto o facto de já se usar muito pouco esta pessoa dos verbos e temos confusão garantida!

07 maio 2007

"vestoria"?!

Quando nos queremos referir a uma inspecção feita pelas autoridades competentes, podemos falar da vistoria, do vistor e usar o verbo vistoriar.

A "vestoria", embora muita gente se lhe refira, não existe em português. É uma deturpação popular, digam o que disserem os seus defensores. Porque os há, por incrível que pareça!

Talvez pensem que, por estar relacionada com o verbo ver, deve ser pronunciada assim, com aquele "e" inicial... mas afinal, o que fica visto, depois da vistoria, também deriva do verbo ver... então porquê a insistência em "vestoriar"?

04 maio 2007

A polivalência de TELE-


Não há ninguém que não utilize no seu dia-a-dia palavras como televisão, telecomando e telefone, que incluem o elemento de formação TELE- e significam: “visão à distância”, “comando à distância” e “som à distância”, respectivamente.
Esse elemento tornou-se tão produtivo na criação de palavras da mesma família de televisão e telefone, que passou a apresentar significados derivados a partir do seu significado original. Ora vejamos:
Em palavras como telejornal, telenovela e telescola, TELE- já não significa “à distância”, mas, sim, “relativo a televisão”, pois uma telenovela, por exemplo, não é uma novela à distância! É, sim, uma novela transmitida através da televisão.
Por sua vez, em palavras como telemóvel, telepizza e telemarketing, TELE- significa “relativo a telefone”: um telemóvel não é um móvel à distância, mas, sim, um telefone móvel, e uma telepizza não é uma pizza comida à distância, mas uma pizza encomendada através do telefone!

02 maio 2007

Por forma a ou de forma a?



Ao escrevermos, sobretudo quando pretendemos expressar-nos numa linguagem mais cuidada, temos tendência para usar certas estruturas perifrásticas que parecem tornar as frases mais bem sonantes, mais eruditas. Perifrásticas porque implicam, em muitos casos, usar mais palavras do que seria necessário para veicular uma ideia com clareza. Porque, bem vistas as coisas, tanto de forma a como por forma a servem para dizer para, com três palavras em vez de uma só.
Mas qual das duas será, para quem opta por usar esses termos, a mais legítima?
Sugeria um leitor, ao colocar-nos esta dúvida, que talvez fosse para evitar a ambiguidade da expressão de forma a (que, ao ser pronunciada, tem o mesmo som de “deforma-a”) que muita gente passou a usar antes a expressão por forma a, com o mesmo significado.
O problema – que não é um verdadeiro problema – está na escolha entre uma e outra, quando o objectivo é usar correctamente a nossa língua: é que a locução de forma a é desaconselhada pelos puristas, que a consideram um galicismo desnecessário (ver Ciberdúvidas) mas, por outro lado, a expressão por forma a ainda não foi dicionarizada, portanto também não será 100% correcta, se quisermos ser completamente rigorosos.
Todavia, trata-se de um falso problema, uma vez que nunca ninguém precisou que as locuções aparecessem nos dicionários para as utilizar. E quanto aos galicismos, há muitos outros que já vingaram em português e que passam hoje despercebidos, como pôr ou colocar uma questão, a nível de, face a, etc. ...

01 maio 2007

Quis, pus, quiseres, puseres, quiseste...


É grande a tentação de escrever certas formas dos verbos pôr e querer com z – aquelas em que a vogal s tem esse som (o que acontece sempre que está entre duas vogais).

Muitos são, até, os que já nem têm dúvidas: escrevem “quiz”, “puzeres”, “quizeste”, com segurança e à-vontade, infelizmente.

Mas para aqueles que se questionam sobre a forma correcta de grafar estas e outras palavras, que gostariam de encontrar uma maneira fácil e inequívoca de saberem quando é que devem usar o z nas formas verbais, aqui fica uma verdade simples e eficaz: só se escrevem com z as formas dos verbos que no Infinitivo têm z. Assim, não restam dúvidas de que pus, puseste (de PÔR) e quiseres (de QUERER) se grafam com s, ao contrário de fizeres (de FAZER), traz e trazeres (de TRAZER) - embora em todas elas o som dessas duas consoantes seja o mesmo.