31 março 2008

“Terá ques” que parecem não incomodar (quase) ninguém



A mim, devo dizer, incomodam-me os “terá ques” que tanta gente anda por aí a soltar, como se nada fosse, na primeira oportunidade. Mas não me parece que, além de mim, haja quem se importe com isso. No fundo, talvez seja uma questão de justiça: “não me importo com os “terá ques” dos outros, porque também não quero que se incomodem com os meus.”

E assim os vamos ouvindo inúmeras vezes, dia após dia: «terá que se fazer...», «terá que ser visto...», «lá terá que ser!». A realidade é mesmo esta, infelizmente: muito pouca gente tem a decência de se conter, ou melhor, de substituir esses “terá ques” todos, como deveria, por algo mais sensato: “terá des”. Porque a verdade é essa: seria muito mais adequado dizer antes «terá de se fazer...», «terá de ser visto...», «lá terá de ser!»

Quanto a mim, apesar de tentar evitar os “terá ques” a todo o custo, confesso que o facto de os ouvir a toda a hora acaba por me influenciar. Por vezes, lá me apanho a mim própria quando já é tarde de mais. E afinal, ninguém se preocupa, porque é do que mais se ouve nos dias que correm. Só me falta descobrir que os “terá ques” foram consagrados, que já se podem soltar sem receio de estar a atentar contra o bom senso e o bom gosto.


PS - Desculpem a brejeirice da abordagem, mas o tema estava mesmo a pedi-las!

30 março 2008

"Queijo Mozzarella fresca"?!


Se é queijo, porque é que o adjectivo vem no feminino? Confesso que não percebo. Será simplesmente pelo facto de a palavra mozzarella acabar em -a?

Talvez... afinal, outros nomes masculinos terminados em -a, como grama, têm vindo a ser alvo da mesma tendência de muitos falantes para os tomarem como palavras femininas. Eles não se ofendem, ainda bem. Mas não deixa de ser um erro...

Quanto a "mozzarella", já não é preciso usar tantas consoantes em português: basta escrever mozarela. E bom apetite!



24 março 2008

O mistério do Acordo Ortográfico...

No início deste ano, o Acordo foi notícia na televisão, chegando, assim, a um público muito mais vasto do que os inúmeros textos que já se publicaram na imprensa e na Internet. Agora, com a notícia recente da aprovação, pelo Governo, de uma proposta de resolução sobre o II Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, os falantes perguntam-se: «Já temos de escrever de outra maneira? E o que é que muda afinal?» As dúvidas sobre as alterações, aliadas à indefinição sobre a sua entrada em vigor, fazem do Acordo um verdadeiro mistério para a maior parte de nós.

Recomendo, a propósito, a leitura de um texto de D’Silvas Filho (e há muitos mais!) sobre este assunto, em que o Acordo é perspectivado de uma forma rigorosa, clara e simples, desmistificando-se a ideia de que vem complicar a vida aos falantes, ou criar embaraços de qualquer espécie. Não sendo a favor, também não posso dizer que estou contra. O que me revolta, além deste pára-arranca que se tem arrastado há tanto tempo, é a especulação ignorante. Sobre este assunto, como sobre quaisquer outros, são de evitar as opiniões formadas levianamente, muitas vezes com base em equívocos e mentiras que pessoas mal intencionadas ou simplesmente mal informadas espalham por aí.

18 março 2008

Sobre o verbo despoletar

Anda por aí meio mundo a usar o verbo despoletar com o significado de desencadear, como se em português não tivéssemos uns quantos verbos ao nosso dispor que exprimem essa mesma ideia, e até, confesso, bem mais elegantes! Eis alguns exemplos: deflagrar, provocar, suscitar, originar.
Bem sei que é com o erro que a língua dá o salto e cresce, mas se não tivermos cautela, qualquer dia a excepção passa o sinal vermelho e ultrapassa a regra.
Tenho tentado perceber a razão deste erro, por isso, convido-vos a uma curta viagem pela história da palavra.

Espoleta é um termo militar que designa o dispositivo que produz a detonação das cargas explosivas, como por exemplo, uma granada. Quando activamos esse dispositivo, usamos o verbo espoletar, que significa «pôr a espoleta em», logo, «fazer deflagrar a granada». Se tirarmos a espoleta, a granada fica inactiva. Para esta acção, usamos o verbo despoletar, que significa, portanto, «tirar a espoleta a; tornar impossível o disparo de».
Fazendo a análise morfológica deste verbo, verificamos que o mesmo é derivado por prefixação, por intermédio do prefixo des-, que, tal como tantos outros elementos gramaticais, é polissémico, ou seja, veicula diferentes significados dependendo da base a que se agrega. Pode significar: 1. Negação: desaprovar (= «não aprovar»); desleal (= «não leal»); 2. Acção contrária: desmentir (= «acção inversa de mentir); desarrumar (acção inversa de arrumar).
Ora, é neste segundo quadro semântico que o verbo despoletar se inclui, exprimindo precisamente a acção contrária de espoletar.
O significado de reforço, de intensidade que o prefixo des- passou a assumir (por exemplo, na palavra desinquieto) é resultado da produtividade deste prefixo, mas não é esse significado que despoletar acarreta, como muita gente julga.

Por conseguinte, a história da palavra fala por si. "Despoletar", como sinónimo de desencadear, é um uso incorrecto da língua, apesar de alguns dicionários registarem este barbarismo, devido ao uso generalizado dos falantes.
Resta uma tomada de decisão por parte de todos nós, mas principalmente da comunicação social: ou continuar a difundir o erro ou, pelo contrário, privilegiar a correcção, o rigor linguístico, para que a língua cresça ao seu ritmo, saboreando cada etapa da sua vida.

Nota: Este texto é uma versão reciclada de uma resposta publicada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, no dia 7 de Março de 2008.
http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=22978

12 março 2008

As novas modas na língua





É engraçado verificar como a língua, tal como as pessoas, está sujeita aos caprichos da moda.
Como peças de roupa que há muito guardamos no armário, temos palavras que estão em perfeitas condições e que ainda poderíamos usar por muitos anos, mas que optamos por deixar esquecidas, porque há outras novas, mais modernas, mais ao estilo do que se usa agora.
E, como queremos estar na crista da onda, dia após dia escolhemos os estrangeirismos e as traduções literais, em detrimento dos termos vernáculos, alguns dos quais até já fariam levantar os sobrolhos da gente mais “para a frentex”, como se fossem uma aberração:
dantes festejava-se ou comemorava-se, agora celebra-se (de celebrate)
dizia-se homenagem, mas agora todos dizem tributo (de tribute)
tínhamos livros e filmes preferidos, agora são favoritos (de favourite)
havia coisas mortais, agora são letais (de lethal)
o que não era permanente era provisório, agora é temporário (de temporary)
quase era praticamente, agora dizem que é virtualmente (de virtually)
faziam-se provas, agora fazem-se testes (de test)
os produtos retiravam / eliminavam nódoas, agora removem-nas (de remove)
usavam-se fardas na escola, agora usam-se uniformes (de uniforms)
as pessoas apercebiam-se de coisas, agora há quem "realize" que as coisas acontecem (de realize)
a paciência, que se jogava com cartas, passou a solitário (o solitaire), desde que apareceu no Windows
a senha transformou-se em palavra-passe (ou mesmo na própria password)
enfim, parece que já não temos amor-próprio, uma vez que também este mudou para auto-estima (de self-esteem)!...

10 março 2008

Zimba/ábw/ue/é... como é que é?!


Não sei se é por sermos demasiado complexos, doidos ou exagerados, mas parece-me, no mínimo, curioso que uma palavra estrangeira, ao entrar na língua portuguesa, assuma logo TRÊS formas diferentes!

É o que acontece com o nome do país Zimbabwe, que em português, e de acordo com os nossos dicionários, pode ter três grafias: Zimbabwe, Zimbábue e Zimbabué. (Se vos custa a crer, vejam o esclarecimento do Ciberdúvidas).

Primeira pergunta: aportuguesar ou não? – Eis a questão. A mim parece-me desnecessário fazê-lo, neste caso particular. Afinal, o duplo v, ou dâblio (ai, que feio que fica isto escrito!), já devia fazer parte do nosso alfabeto há muito tempo e tudo indica que vai passar a fazer muito em breve.

Mas admitamos que queremos transformá-lo num u, para tornar a palavra mais portuguesa. Nesse caso, pergunto: para quê a versão “Zimbabué”, com acento agudo no e final? Alguém a pronuncia como palavra aguda, com a tónica na última vogal? (Experimentem chamar o país, como se fosse uma pessoa. Gritarão “Zimbabuééééééééé” ou “Zimbáááááááábue”?!). Parece-me óbvio que Zimbábue, com acento no a, é mais fiel à oralidade e às regras de acentuação gráfica em português.

No entanto, volto a dizê-lo: sendo uma palavra estrangeira, como há tantas na nossa língua, será mesmo necessário aportuguesá-la à força, quando nem sequer há consenso sobre a forma que ela deve assumir?

05 março 2008

...«um bocado sorumbático»


A propósito desta frase do Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares...

«Fora a excelência da comida e do vinho, o almoço foi um bocado sorumbático.»

...fico a pensar se não será exagero considerarem que o autor escreve "como um Eça de Queirós". Não me parece nada bem ali aquele "bocado", que é, a meu ver, um plebeísmo, nem gosto do adjectivo sorumbático, que me lembra as "parteleiras" e os "tiosques". Eu explico.

Numa ocasião em que várias pessoas falavam com saudade do seu grande mestre Rómulo de Carvalho, ouvi dizer que ele era bastante rigoroso no uso da língua e que criticava imediatamente aqueles que ouvia cometerem erros de português. Soube então que, antes de um exame, ele perguntou a um aluno se havia estudado muito. O rapaz respondeu, receoso: «um bocado...» Então, Rómulo de Carvalho corrigiu: «bocado é o que se põe na boca. Mas vamos lá ver então o que tu sabes...»
O vocábulo sorumbático, por seu turno, é de origem obscura, mas pensa-se que está relacionado com o substantivo sombra e há dicionários que o apresentam como uma corruptela de sombrático.

02 março 2008

OS LIVROS

Quando eu era pequena,

só queria era brincar.

Livros, achava-os bonitos...

mas não traziam bonecas,

nem kalkitos,

nem folhas para desenhar!

Quando me davam livros,

nos anos ou no Natal,

Abria-os, folheava-os,

tinham bonecos engraçados,

cores giras, e tal...

Mas ver filmes e desenhos animados

É que era divertido!

E, no fundo, eu era normal.

Depois, veio a adolescência...

essa altura em que “não há paciência”!

Porque nos obrigam a ler

aquelas obras literárias...

livros grandes, escritos há muito,

e sobre os quais é preciso saber tanto,

que deixam de dar prazer.

Quando fui para a faculdade,

escolhi letras, é verdade,

talvez (que vergonha!)

para fugir à matemática,

para fazer ronha... enfim,

mas também porque gostava de escrever.

Foi então que mergulhei,

sem saber, no mundo dos livros a valer!

Descobri tantas coisas,

aprendi tanto, sonhei, senti, acreditei...

eu sei lá!

Foi incrível, o que as palavras,

as simples letras,

puras manchas pretas no papel,

fizeram na minha cabeça!

Eu criei mundos e mais mundos,

fui autores, narradores e personagens,

tudo o que li

aconteceu dentro de mim:

com magia, com leveza,

e com a beleza das miragens.

Realmente, há livros tão interessantes

que, quando levantamos os olhos,

das suas páginas

parece que nada fica como antes!

Os livros dão-nos bagagem,

dão uma grande vantagem.

Uma pessoa que lê,

se alguma vez se sentir à margem,

não é por falta de saber,

é porque, na leitura de cada livro,

fez uma grande viagem

e ficou diferente:

mais culta, mais consciente.

E apesar de já ser adulta,

Eu sei, quando estou a ler,

que ainda posso crescer.

Melhor: sei que posso viver

outras vidas, além da minha!

E basta-me ter um livro

para nunca me sentir sozinha.

Há quem diga que somos

o que queremos,

que somos o que fazemos

E o que comemos também.

Pois eu digo que, em boa parte,

Nós somos o que lemos.

E ler também é uma arte,

um desporto – porque não? –

que a todos pode fazer bem.

Ler é saber, é poder,

uma forma profunda de ver

e é meio caminho andado

para melhor escrever

e melhor pensar.

Podia ser um ditado:

Quem lê, depressa ou devagar,

a algum lado há-de chegar.

S. Leite


Nota: este poema é apenas ligeiramente autobiográfico!