30 junho 2008

A língua em foco


Está a decorrer o Encontro Comemorativo dos 20 Anos do ILTEC.
Trata-se de um conjunto de comunicações, acompanhadas de debates, que decorre hoje, dia 30, e amanhã, dia 1 de Julho, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

O tema - Discurso, Diversidade e Literacia: A Língua Portuguesa no Século XXI, - dá "pano para mangas". Desde a «complexidade da escrita e dos desafios que coloca ao leitor» até à crítica de estrangeirismos aparentemente absurdos que se vêm insinuando na nossa língua, passando por um levantamento de curiosíssimas palavras distintas para nomear uma mesma realidade (um pirilampo, um girino...), de acordo com diferentes regiões de Portugal (e diferentes visões do objecto), hoje houve oportunidade para que linguistas e membros da assistência partilhassem as suas preocupações e ideias sobre a riqueza, a complexidade e a diversidade da língua, sobretudo (mas não só) no que toca ao léxico. O Acordo Ortográfico não ficou de fora, como não podia deixar de ser, numa discussão deveras interessante, em que as intervenções do público não ficaram atrás das brilhantes comunicações.

Se quiserem e puderem ir até lá, ainda há cadeiras vagas... mesmo para quem não se inscreveu!

24 junho 2008

Gente Gira... com erros



As histórias de Luísa Ducla Soares, prolífica autora de livros infanto-juvenis, são para mim das mais divertidas, interessantes e bem escritas que se publicam actualmente em Portugal.

Contudo, não posso deixar de usar um dos seus livros, cujas incorrecções ortográficas me saltaram hoje à vista, como pretexto para escrever aqui umas linhas.

Trata-se do livro Gente Gira.
Na história "O Homem das Barbas", há um "avôzinho". Sendo uma palavra grave, cuja sílaba tónica é -zi-, avozinho não pode levar acento circunflexo no o subtónico, tal como acontece com avozinha e com sozinho.
No conto "O Senhor Pouca Sorte", há um ladrão que lhe assalta a "dispensa". Ora, a dispensa é o acto ou efeito de dispensar. O local onde se guardam os alimentos é a despensa.
Finalmente, na última página do mesmo conto, o protagonista come um "perú", que na verdade dispensaria o acompanhamento. É que peru, sendo palavra aguda terminada em u, não precisa de ser acentuada graficamente. Afinal, quem é que a leria como "pêru" ou "péru"?

Enfim, não é nada de muito grave e todos nós podemos ter deslizes de vez em quando. Mas a editora (Livros Horizonte) pode e deve emendar estes erros numa próxima edição!

20 junho 2008

Reconhecer o valor estético da Língua

A língua não é apenas um veículo de comunicação. É também o meio pelo qual expressamos os nossos pensamentos, as nossas emoções, os nossos afectos...
Eu diria que a língua não tem somente o género gramatical feminino; ela é 100% feminina, e, como tal, também ela é vaidosa!
Por trás dos bastidores, que são as regras firmes da gramática, está também o encanto de ela aparecer em palco e mostrar a beleza das suas roupas, que são as palavras; das suas jóias, que são as figuras de estilo; da sua maquilhagem, que são as reticências e os pontos de exclamação a mais!!
E ninguém ouse censurar esta vaidade de “alguém” que não envelhece, mas que, pelo contrário, rejuvenesce a cada dia que passa!

Reconheceram o valor estético da língua?!!

18 junho 2008

O Gustave e a Torre... cada um com seu apelido!




Acabo de ouvir alguém dar uma informação com uma incongruência fonética curiosa: «a escola Gustave [Êi]ffel» (com tónica num suposto ditongo inicial) «fica ali ao fundo, onde está o desenho da Torre Eiff[é]l» (com tónica no e final, desta vez aberto).

Fiquei mentalmente boquiaberta! Então tem alguma lógica pronunciar o mesmo nome de duas maneiras diferentes na mesma frase?! É que, na verdade, já me dei conta de que há mais gente que prefere pronunciar o nome da escola profissional como Gustave "Êiffel", mas depois nunca hesita em referir-se à torre de Paris como a Torre "Eiffél"?

Será que quem pronuncia a palavra de duas maneiras diferentes pensa tratar-se de dois nomes distintos? Será que é o nome próprio, Gustave, que origina o estranho fenómeno de a palavra aguda Eiffel (à portuguesa e à francesa também) passar a grave? Será para ter uma sonoridade mais sofisticada e erudita que o nome da escola é assim pronunciado? Será por mero acaso e o melhor é não pensar mais nisso?

Para esta não consigo mesmo encontrar uma resposta satisfatória!

16 junho 2008

Mania ou fobia?


Mania e fobia são perturbações que implicam comportamentos opostos. A mania implica o costume obsessivo de fazer alguma coisa; a fobia o medo, o pavor de alguma coisa. Decerto que a diferença é óbvia para muitos leitores, mas, curiosamente, tenho-me apercebido de que há quem confunda estas duas tendências.

Quando ouço alguém dizer que «tem a fobia das arrumações!», percebo, pelo contexto, que a palavra fobia foi empregada, erradamente, com o sentido de mania.

E dá-me a sensação de que subjaz a esta confusão a necessidade de encontrar um termo que seja ainda mais expressivo do que o corriqueiro mania. Ou seja, as pessoas sabem o que a palavra mania significa, mas querem usar uma outra, que realce ainda mais a ideia. E então lembram-se de dizer fobia, que no entanto significa o oposto!

Parece-me que se trata de mais uma divertida contradição, a juntar ao desinquieto, ao despoletar e ao destrocar...

11 junho 2008

A moda "proactiva"

Quase de um dia para o outro, comecei a ouvir o adjectivo proactivo a torto e a direito - uma palavra cuja existência na nossa língua, confesso, eu desconhecia.

Hoje, fala-se muito de pessoas, posturas e até de actividades proactivas (o que a mim me parecia, senão um disparate, pelo menos uma redundância!). Perguntei-me se muita gente não usaria a palavra apenas porque lhe soava bem, sem saber ao certo o que poderia querer dizer, ou mesmo se, de facto, existiria em português.

Quando fui investigar, tive uma surpresa. Trata-se da adaptação de um termo inglês (para não variar...), proactive, que já foi consagrada nos nossos dicionários e tem um significado bem explícito e inequívoco: o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, por exemplo, atesta que proactivo é aquele ou aquilo «que tende a criar ou a controlar uma situação, tomando a iniciativa, e não apenas reagir a ela».

Eis aqui um belo exemplo de como se pode estar sempre a aprender. E, para isso, nada melhor do que ter de ensinar. Afinal, eu até gosto que os meus alunos sejam proactivos...!

09 junho 2008

Anglicanismo ou anglicismo?!



Há dias, uma colega contou-me que «uma figura da nossa cultura (da área da música) utilizou um termo de origem inglesa, e logo a seguir pediu desculpa aos ouvintes pelo “anglicanismo”…» (Obrigada, Ana!).


Anglicanismo é a religião oficial de Inglaterra, instituída no século XVI por Henrique VIII, na sequência do seu divórcio de Catarina de Aragão, que não foi consentido pelo Papa Clemente VII. Depois de ter sido excomungado, o rei decidiu subjugar a Igreja à autoridade régia e fez aprovar, no Parlamento, o Act of Supremacy, que representou a cisão definitiva com Roma.
Anglicismo designa uma palavra que é proveniente da língua inglesa. Termos como leasing, bar, software, background e timing são anglicismos. Era este, portanto, o nome que o ilustre senhor (ou a ilustre senhora) deveria ter usado.

Isto só prova que nem os mais cultos se livram de cometer a sua “gafezinha” de vez em quando… como eu costumo dizer (a mim própria, inclusive): todos temos telhados de vidro. E se ando às vezes a chamar a atenção para os erros dos outros, não é para os criticar gratuitamente, mas para que todos possamos aprender com a sua correcção.

04 junho 2008

RE + HAVER = REAVER

"Se eu *reaver"... é erro frequente e até se compreende porquê: na primeira e na terceira pessoa, os verbos regulares costumam terminar de forma igual à do Infinitivo quando estão conjugados no Futuro do Conjuntivo: "se eu lavar", "quando eu entender", "se eu dormir".

Só reparamos que o verbo, de facto, assume uma forma diferente da do Infinitivo quando ele é irregular: "se eu der", "quando eu fizer", "se eu trouxer", etc.

Assim, percebe-se a tendência de muita gente para utilizar verbos irregulares conforme o paradigma, ou seja, para dizer, por exemplo, "se o tempo se *manter assim" em vez de "se o tempo se mantiver assim".

Isto acontece, sobretudo, quando os verbos são compostos, ou seja, quando derivam de outros. Manter deriva de ter, portanto, manteve e não "manteu", mantiver e não "manter", no futuro do conjuntivo.

Quanto a reaver, trata-se da combinação entre o prefixo re- e o verbo haver. Assim, se ao conjugar o verbo haver no futuro do conjuntivo dizemos houver, logicamente devemos também dizer reouver. Só eliminamos o "h"! Porque, afinal, reaver é haver de novo, no sentido de voltar a ter.