A vírgula e a sintaxe – amigas inseparáveis
Sabiam que as vírgulas podem alterar a sintaxe de uma frase?
Observem os exemplos seguintes, que diferem apenas na presença/ausência de vírgulas:
(1) O irmão da Ana que mora em Paris não vem ao casamento.
(2) O irmão da Ana, que mora em Paris, não vem ao casamento.
Pois bem, a presença ou ausência de vírgulas dá origem a orações diferentes.
No exemplo (1), a oração “que mora em Paris” é uma relativa restritiva, que restringe o âmbito do nome “irmão”, ou seja, indica-nos que só o irmão que mora em Paris é que não vem ao casamento (e dá-nos a ideia de que a Ana tem mais irmãos para além desse).
Se omitíssemos a oração relativa “que mora em Paris”, o sentido da frase seria alterado:
“O irmão da Ana não vem ao casamento” (esta frase tem um significado diferente de “o irmão da Ana que mora em Paris não vem ao casamento").
Na frase (2), “que mora em Paris” é uma oração relativa explicativa, a qual nos dá apenas uma informação adicional, acessória, pelo que a sua omissão não altera o sentido global da frase: o irmão da Ana não vem ao casamento (ela só tem um irmão).
E termino com um desafio: por que razão os exemplos (3) e (4), SEM VÍRGULAS, são agramaticais (i.e. incorrectos do ponto de vista sintáctico-semântico)?
(3) * Os linces que são mamíferos estão em vias de extinção.
(4) * Steven Spielberg que realizou o “Parque Jurássico” ganhou celebridade mundial.
8 comentários :
Não percebo.
Na primeira frase percebo que a Ana mora em Paris e tem um irmão que não vem ao casamento.
Na segunda percebo que o irmão da Ana é quem mora em Paris e que é ele que não vem ao casamento.
Não? Estranho...
Quanto ao ponto (3), é agramatical porque sugere que há linces que não são mamíferos, o que não é verdade. Por isso, para estar correcta, teria de ter duas vírgulas: "Os linces, que são mamíferos, estão em vias de extinção". Ou seja, o "que são mamíferos" seria uma informação adicional na frase, não necessária para ter sentido, penso eu.
Quanto ao ponto (4), penso que insinua que há mais Stevens Spielbergs para além daquele que realizou o "Parque Jurássico", o que pode ser ou não verdade, não sei. Será que não pode haver mais algum senhor com este nome por aí? Não sei...
Gigi, creio que interpretou a frase de maneira diferente do que era a intenção da minha colega, o que é perfeitamente legítimo.
Na frase "O irmão da Ana que mora em Paris" é, de facto, possível, deduzir que é a Ana quem mora em Paris. Mas a intenção era outra, como se pode verificar pela explicação que a autora dá dessa frase: "a oração “que mora em Paris” (...) restringe o âmbito do nome “irmão”, ou seja, indica-nos que só o irmão que mora em Paris é que não vem ao casamento". Podemos, aliás, retirar a expressão "da Ana" da frase, para que não haja equívoco: "o irmão que mora em Paris não vem ao casamento" (aqui pressupõe-se que há mais irmãos). Na frase 2, como há vírgulas a isolar a oração relativa explicativa, poderíamos suprimir essa informação adicional: "O irmão não vem ao casamento" (neste caso, só há um irmão).
Muito bem, Tânia!
Excelente explicação!
Que tal uma nova participação no Torneio 2008 e, quem sabe, nova vitória? :)
frase:
O irmão da Ana que mora em Paris não vem ao casamento.
Esta frse não tem duplo sentido?
Quem mora em Paris o irmão ou Ana?
Sem dúvida, Chiquinho! Do mesmo modo, embora sem o relativo, "a fotografia do Luís" pode ser: a) um retrato da cara do Luís; b) a fotografia que o Luís tirou; c) a fotografia que o Luís possui.
Sempre soube que nestas condições, que mora em paris, eh aposto e serve como reforço, para dizer que ele mora em paris. porém dizendo que o irmao de ana nao vem ao casamento, a frase jah estaria completa.
Obrigado Alescio Bonetti
Realmente, este assunto é interessantíssimo: a vírgula e a alteração semântica. Escrevi três artigos sobre este tema, se quiseres conferir.
http://portugues-concurso.blogspot.com
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