30 novembro 2007

Você quem é?!

Na publicidade e nos programas de rádio, todos nós somos “você”. Você sabe, você escolhe, você para cá, você para lá.

Porém, apesar de se ter generalizado, essa forma de tratamento gera reacções, no mínimo, controversas. Por uns é considerada uma forma respeitosa, já que é proveniente de vossa mercê, depois contraída na versão vocemessê e, posteriormente, abreviada para você. Por outros é mal aceite, sendo encarada como uma falta de respeito para com a pessoa desconhecida que se pretende interpelar. Para esses, você implica demasiada confiança e deveria ser substituído por “o senhor” ou “a senhora”.

Seja como for, a verdade é que esta forma de tratamento gera algumas dificuldades aos falantes de língua portuguesa. Para começar, nem sequer é uma das seis pessoas que podem ditar a flexão dos verbos (eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles).

A sua utilização obriga a uma combinação estranha entre tu, vós - porque vocês, tal como tu e vós, corresponde à pessoa a quem se fala - e ele/ela(s) - porque a flexão dos verbos, quando a pessoa é você(s), se faz de acordo com a terceira pessoa. Assim, dizemos “você está óptimo” e “vocês sabem muito”, e não *“você estás óptimo”, nem *“vocês sabeis muito”. Aliás, talvez tenha sido precisamente por causa da formalidade (e da dificuldade) das flexões da pessoa vós (estais, estiverdes, estivestes...) que se generalizou o uso, bem mais simples, de você (está, estiver, esteve), quando não queremos ou podemos tratar o nosso interlocutor por tu.

No entanto, você (pronome tónico) também não é assim tão fácil, sobretudo no que toca à pronominalização dos verbos – isto é, quando implica escolher o respectivo pronome átono. Por exemplo, muita gente hesita entre dizer “vou contar-vos uma história, se vocês se calarem” ou “vou contar-lhes uma história”.

Já agora... o que é que VOCÊS diriam?! (Perdoem-me a confiança!...)

9 comentários :

Hugo disse...

Aqui está um assunto que deve merecer mais reflexões futuras.

De facto este é um aspecto que espelha alguma da complexidade da nossa Língua.
Já me interrogara variadíssimas vezes, sobretudo quando os alunos do 1.º ciclo colocam a questão do "você" não existir nas seis pessoas que lhes são ensinadas. Será que o caminho passa por mudanças na conjugação dos verbos, ou iremos continuar a ter de gerir este aspecto com explicações complexas e não definitivas?

Nos tempos que correm, julgo que o "você" do Brasil também veio ajudar a cimentar o "você" português.

Mas, convenhamos, não é fácil ensinar estes aspectos da Língua que não surgem nas gramáticas mais básicas.

Parabéns pelos assuntos trazidos a este espaço.

Anónimo disse...

"Você" é claramente respeitoso e formal. O informal é "tu". Quem acha que em vez de "vocês" se deve dizer "o(a) Senhor(a)" em situações formais, está claramente errado.

[E assim manifesto a minha opinião, sobrepondo-a a todas as outras com clara desconsideração por elas - bem ao meu estilo. :-)]

Anónimo disse...

Eu diria “vou contar-vos uma história" (a vocês), em vez de “vou contar-lhes uma história". Neste último, dá-me a sensação de que estou a referir-me a "eles / elas".
Concordo com a suposição da professoa Sara; por causa da formalidade e dificuldade da flexão da segunda pessoa do plural, ter-se-á generalizado o uso do "você".
Eu, por acaso,(não me dá muito jeito) não costumo usar o "você". No caso de me dirigir a alguém que não conheco ou com a qual tenho pouca ou nenhuma confiança, utilizo "o senhor / a senhora". Quando falo com alguém que conheço, mas que não trato por "tu", digo, por exemplo "Maria, já almoçou?".
Curiosamente, se se tratar do "vocês", no plural, já é habitual utilizar, quando me dirijo a duas ou mais pessoas que conheço, e que não trato por tu, mas cujos nomes não dá jeito nem fica bem estar a enumerar (Joana, Maria, Alexandra, não se importam que ligue o rádio?). Por isso digo "Vocês não se importam que ligue o rádio?".

S. Leite disse...

Obrigada, Hugo. E muito bem observado! Não é fácil ensinar as crianças a lidar com o "você".
Muito bem visto, Tânia: vocês no plural é bem mais útil (e aceitável) do que no singular. Isto na minha opinião, pois também não gosto que me perguntem, por exemplo, "você tem horas?" mas já não me importo que, enquanto membro de um grupo, me digam "vocês".
Jaime, pensa melhor...! :P

S. Leite disse...

Faltou esclarecer que "lhes" é adequado para representar "vocês".
Se usamos os verbos flexionados na terceira pessoa do singular (como se "você" fosse "ele" ou "ela" - aliás, até nos dirigimos directamente a uma pessoa chamada Maria dizendo "a "Maria", como explicou a Tânia), então os outros pronomes correspondentes são SEU(S), SI, LHE(S), O/A(S). Exemplos: "Gosto do seu fato", "vou dizer-lhe uma coisa", "Digo-a apenas a si", "vou levá-los lá". Em todas estas frases, a pessoa que fala dirige-se a você(s).
"VOS" aplica-se a vós, que pede os verbos na segunda pessoa do plural.

riacrdoo disse...

Mas já agora uma piquena questão:
Quando se diz "Vou contar-vos uma história.", não "vos" (ou lhes?) parece logo que estou a falar com mais que uma pessoa, quando a intenção era tratar uma outra pessoa como vós?
A questão apareceu-me após a frase "gosto do seu fato": se eu escrevesse "gosto do vosso fato" (para tratar a pessoa por vós), pareceria que estava a falar de um fato que era usado por muita gente, ou um tipo de fato que muita gente usa. Ou seja, sempre mais que uma pessoa!
Será que é porque fomos deixando de utilizar o vós, e por isso já fazemos confusão com estes pronomes?

Esta questão do Vós/Você/Vocês é interessante para mim, visto que há uns tempos eu e alguns amigos começámos a utilizar o pronome vós. Já não me basta a dificuldade em conjugar os verbos na 2ª pessoa do plural (vou-me esquecendo, o que é que querem! :)), quanto mais ter estas dúvidas!

Agradeço a resposta! ;)

S. Leite disse...

De facto, se usarmos o pronome átono "vos" hoje em dia, com excepção de certos meios regionais, os nossos interlocutores pensarão quase de certeza que nos estamos a dirigir a mais do que uma pessoa. A dúvida só se dissipa quando flexionamos os verbos. Se eu disser "gosto do vosso fato", o mais provável é que depois conjugue o verbo na 3ª pessoa do singular ("onde é que o comprou, se não é indiscrição?!"). Se quiser mesmo tratar alguém por vós, terei de dizer "onde é que o comprastes?". E aí gera-se não só a confusão, como ainda a ideia de que não sei falar português como deve ser!! Se o tempo for o Pretérito Perfeito do Indicativo, o melhor é usar o composto: "Onde é que o haveis comprado?"

Anónimo disse...

Por acaso este é um assunto que já há algum tempo andava a procurar. O uso do "você", a mim baralha-me, porque só desde que cheguei a Lisboa, me dei conta de que o "voçê" podia ser mal interpretado. (Lembra-se???) Agora já deve estar generalizado...A minha opinião é talvez demasiado radical, mas cá vai... Para mim o uso do você, não tem problema absolutamente nenhum. Parece-me que as pessoas mais humildes o empregam em sinal de respeito e não como falta dele...acho que é um preciosismo dos ricos. E sem querer extrapolar, é como acontece quando se arrota, diz-se "com licença" ou já não se diz como alguns defendem?
Para mim o importante é não tratarmos mal o outro, não o prejudicarmos, etc. Agora dizer você ou não dizer??? Confesso, eu nem consigo dar-lhe importância, estarei a ser grosseira?
Ângela

světluška disse...

"Digo-a apenas a si" - isto é muito português. No Brasil não se usa de jeito nenhum. Para nós (assim como nas demais línguas românicas), si é pronome reflexivo: Ele só pensava em si (mesmo).

No Brasil usa-se você quando se fala alguém com quem temos confiança. Equivale ao tu, que também se usa no Brasil, mas restrito a algumas regiões.

É muito fácil entender por que você não aparece com os pronomes eu, tu, ele, ela, etc. Trata-se de pronome de tratamento, não de pronome pessoal. É por isso que o verbo que o acompanha está sempre na terceira pessoa do singular (do plural no caso de vocês, claro), o que acontece com todos os pronomes de tratamento (Vossa Senhoria, Vossa Majestade, etc.).