Um desafio com o verbo PODER
O verbo poder assume diferentes valores semânticos, consoante o contexto frásico. Vejamos quais são esses valores:
1º valor: permissão - Ex.: Podes usar o meu telefone à vontade!
2º valor: probabilidade - Ex.: Leva o guarda-chuva, porque pode chover.
3º valor: capacidade - Ex.: Este elevador pode levar até 5 pessoas.
Por vezes, este verbo exibe simultaneamente dois valores, dando origem a frases ambíguas. Por exemplo, a frase
“Os ciclistas podem passar por aqui” pode significar:
1. “É-lhes permitido que passem por aqui” (valor de permissão);
2. “É provável que passem por aqui” (valor de probabilidade).
Porém, se substituirmos o sujeito “ciclistas” por um fenómeno da natureza, como “ciclone” (o ciclone pode passar por aqui), há uma leitura que é automaticamente bloqueada. Qual é e porquê?
Nesta linha de pensamento, deixo-vos mais um desafio. Considerem as seguintes frases e digam que interpretações podem ter:
(a) O Tomás pode ir à festa.
(b) O Tomás não pode ir à festa.
(c) O Tomás pode não ir à festa.
9 comentários :
Hum.
Então, a primeira é de permissão. Já a terceira é de probabilidade. O caso bicudo é a segunda: ou é uma "não permissão" ou então, porque ele têm mais que fazer e não pode ir, ou por fim, é o verbo poder conjugado no pretério "o tomas foi jogar ténis e não pode ir à festa"...não sei bem!
A leitura que parece ser "bloqueada" é a de permissão, já que um fenómeno da natureza não está sujeito a permissão, como no caso de "ciclistas".
Quanto às três frases, penso que a primeira poderá ter a interpretação de permissão e de
probabilidade,já que pode acontecer que o Tomás tenha autorização para ir à festa, ou, caso seja provável, que ele apareça na festa.
Na frase (b), pode interpretar-se que o Tomás não teve autorização para ir à festa (permissão), ou (penso eu) não conseguiu, não foi capaz por qualquer razão, ou porque se atrasou, ou porque tinha outras coisas a fazer (capacidade).
Na última frase, o "pode" assume o significado de probabilidade, já que existe a possibilidade de ele não poder ir à festa.
Será?
Estou a estudar em alemão dois verbos que significam "poder" mas em sentidos diferentes:
- "können" significa "poder" no sentido de ser capaz;
- "dürfen" significa "poder" no sentido de ter autorização.
Boa tarde. Só há uns dias descobri este blogue e já pude constatar que me vai ser bastante útil e de visita obrigatória.
Permitam-me que lhe coloque em análise uma parte de uma frase de um post que coloquei no meu blogue para a qual eu quis dar um sentido mas que não sei se pode ter uma interpretação diversa.
A frase é a seguinte: "Tomando como verdadeiro o relatório e não querendo ser conivente com esta situação e também para proteger os estabelecimentos com boas práticas, alerta-se os compradores ....".
Estarei eu a querer significar que estou, a afirmar (confirmar) como verdadeiro "o relatório ..." ou como eu pretendia ser interpretado estarei a dizer que a ser verdadeiro "o relatório ..."
Já agora esclareço que este esclarecimento que lhe peço tem a ver com um processo em que fui constituído como arguido, presumindo que por causa desse post, eventualmente acusado de difamação (já que verdadeiramente só saberei, quando for ouvido pela primeira vez, as razões e quem fez a acusação).
Pedindo desculpa pelo "desvio" ao post original, agradecia se possível uma opinião.
Caro Fernando, realmente, creio que "tomando como verdadeiro o relatório" possa ser interpretado como referiu em primeiro lugar, embora não seja de excluir a segunda leitura, que talvez seja menos imediata.
Quando usamos o gerúndio nesse tipo de oração (por exemplo na frase "entendendo ser legítima a defesa, o juiz absolveu o réu"), pressupõe-se que a acção expressa pelo verbo no gerúndio é desempenhada pelo sujeito da oração principal. Assim, no seu caso, quando escreveu "tomando" criou, no mínimo, uma certa ambiguidade. Para que ninguém interpretasse isso como sinónimo de "eu tomo como verdadeiro o relatório", talvez tivesse sido mais prudente escrever (como o próprio Fernando sugeriu) "a ser verdadeiro o relatório"...
Espero ter sido clara.
Obrigado pelo esclarecimento. De facto também acho que não fui feliz na formulação da frase (depois de alertado e de a reler) embora a própria referência "tomando como verdadeira ..." quisesse exactamente chamar a atenção para uma reserva de cautela, (sem a qual não seria necessária fazer essa referência) mas, a verdade é que "tecnicamente" não o consigo explicar. Renovo os agradecimentos e parabéns pelo blogue
Obrigada, também. Disponha sempre!
Muito bem, Tânia!
Em relação à frase do ciclone, a leitura bloqueada é a de permissão, exactamente pelo motivo que refere.
Quanto à 1ª frase do Tomás, parece-me também aceitável a interpretação de capacidade, imaginando, por exemplo, que ele tirou as muletas e, por isso, já consegue andar e, quem sabe até dar um passinho de dança na festa!
Valeu o desafio?
Claro que valeu. Venham mais ;)
Um beijinho.
Enviar um comentário