"há-des reparar nas gramas"...
Ensina o Ciberdúvidas - e eu acho bem - que o substantivo grama, quando se aplica à unidade de medida de massa, (tal como o quilograma), pertence ao género masculino. Portanto, devemos dizer que «o bebé pesava, à nascença, três quilos e duzentos (gramas)» e não «três quilos e duzentas».
Grama só deve ser empregado enquanto substantivo feminino quando designa "relva", por exemplo na frase «o cão está deitado na grama».
No entanto, o uso, como sabemos, tem um poder imenso sobre a gramática. A história das línguas está cheia de exemplos de palavras e construções que se modificaram ao longo das décadas e dos séculos, por causa do "mau" uso que os falantes lhes começaram a dar. Foi assim que as formas latinas semper, insulsu- e per + ad deram origem a sempre, insosso e para, respectivamente.
Também assim se explica que bêbedo tenha passado a bêbado, que desestabilizar venha sendo reduzido para destabilizar, que a biopsia passe a biópsia e a conjunção comparativa enquanto esteja em vias de se tornar locução, pois tem-se preferido usar enquanto que.
Voltando aos gramas, é interessante notar que já em 1989 (3.ª edição), na sua Breve Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra esclareciam: «Embora a palavra grama se use também no género feminino (quinhentas gramas), os seus compostos mantêm-se no género masculino: um miligrama, o quilograma.» Isto será talvez surpreendente, para quem tem levado a vida a arrepiar-se com quem se refere "às gramas" e aos quilos...
Mas repararam no verbo? «Embora a palavra grama se use»...
Quer isto dizer que tudo o que se use, independentemente de ser correcto ou atentar contra as regras da língua, deva ser registado nas gramáticas? Devemos achar natural que um dicionário de verbos registe que se usa "há-des" e "há-dem" para as flexões do presente do indicativo do verbo haver na segunda pessoa do singular e na terceira do plural (hás-de e hão-de)?!
4 comentários :
Olá, bom dia S. Leite!
Ao entrar hoje no blog, fiquei surpresa quando me deparei com o início desta frase: "Grama só deve ser empregado(...)". Ora, esta é uma dúvida que, em alguns casos, me assombra amiúde! Eu teria escrito "Grama só deve ser empregue(...)". No entanto, sei que ambas as formas pertencem ao Particípio Passado do verbo Empregar ( fazer uso de; servir-se de; gastar, despender ou preencher). Só para esclarecer, será que as pessoas (incluindo eu) tendem a corrigir "empregado" para "empregue" só porque soa melhor?
Relativamente ao "há-des"... nem comento... isso para mim é pura e simplesmente não saber conjugar o verbo!
Mais uma vez obrigada pelo vosso contributo à Lingua Portuguesa!
Olá, Laura.
As formas "empregue" e "encarregue" já vão aparecendo nas bases de dados de verbos conjugados (porque vêm sendo muito usadas), mas eu não gosto delas (para mim, não "existem"!) e partilho da opinião dos linguistas que não recomendam o seu uso (Veja, por exemplo, o guia SABER ESCREVER, SABER FALAR, de Edite Estrela et al., p. 82).
Mas, como diz, «as pessoas (...) tendem a corrigir "empregado" para "empregue" só porque soa melhor». No entanto, eu diria que as pessoas tendem a SUBSTITUIR (em vez de "corrigir") empregado por empregue, precisamente por se tratar de uma "hipercorrecção", ou correcção ao contrário.
Talvez isso aconteça também para distinguir o particípio verbal (empregue ou encarregue) do substantivo que tem a mesma forma (empregado e encarregado).
Seja como for, não se pode considerar errada a construção "ser empregado".
A única pessoa que conheço que usa destabilizar é a minha esposa, mas ela é checa. Sempre quando o usa, eu corrijo-a, porque até agora nunca a tinha ouvido a nenhum falante de português. Vejo que há algumas ocorrências de páginas brasileiras na Internet, mas graças a Deus ainda são a minoria.
Recordo ter ouvido uma que outra vez a palavra empregue, mas a forma majoritária no Brasil ainda é empregado. Constatar tanto este quando o outro erro de certa forma conforta-me porque já ouvi da boca de vários portugueses que os brasileiros falam mal o português, mas vejo que vocês cometem erros que ainda não cruzaram o Atlântico (e espero que nunca venham a fazê-lo).
Quanto ao hífen em hei-de, há-de, etc., graças a Deus no Brasil a nossa ortografia não contempla, nem antes nem depois do acordo, esse hífen porque ele é completamente inútil e não entendo por que (sic) aparece em umas conjugações e em outras não em Portugal. Pelo que tenho visto, aparece só depois de monossílabos, mas é uma observação pessoal que não sei se encontra respaldo em qualquer gramática.
Encontra, sim.
Gostei do "por que (sic)" :)
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