23 junho 2009

Pegar-lhe ao colo ou pegar nele ao colo?

O verbo pegar, com o significado de «agarrar, suster, segurar», não coocorre com um complemento indirecto, mas sim com um complemento oblíquo (isto é, um complemento preposicional que não é pronominalizável em –lhe).
Assim, deve dizer-se: «vou pegar em alguém ao colo», logo, «vou pegar nele ao colo». A estrutura "vou pegar-lhe ao colo" é incorrecta, porque corresponderia a "vou pegar a alguém ao colo".
Portanto, quando quiserem pegar em alguém ao colo, não digam «vou pegar-te ao colo», mas sim «vou pegar em ti ao colo»!

14 comentários :

fj disse...

Esta última vou tentar memorizá-la para a 3ª edição das BlogOlimpíadas da Língua Portuguesa.


ps: será mais correcto escrever: BlogOlimpíadas de Língua Portuguesa.

Nuno disse...

Cara S. Duarte,

Acho que este texto ganharia em procurar explicar o que é um complemento oblíquo e de que forma esse tipo de complemento se distingue de um complemento indirecto, por exemplo.

Tanto quanto sei, não é consensual que o complemento indirecto seja regido apenas pela preposição "a", sendo que Celso Cunha e Lindley Cintra defendem que o complemento indirecto é todo o complemento que se liga ao verbo por meio de preposição.

Segundo a proposta de alguns autores, o complemento indirecto responde apenas à pergunta "a quem?". As respostas às perguntas "para quem?", "de quem?" ou "em quem?", por exemplo, seriam dadas por aquilo a que se chamam complementos preposicionais, sendo que estes complementos não podem ser pronomizáveis em "lhe".

Ora, isto não é tão simples como isso e há casos em que o complemento indirecto pode vir regido por outra preposição que não "a". Repare-se no seguinte exemplo:

"Ela cantou uma música para o rapaz."

Esta frase pode ser facilmente substituída por "Ela cantou-lhe uma música", pelo que se depreende que "para o rapaz" é complemento indirecto. Neste caso, o complemento indirecto vem regido por "para". Isto acontece porque a preposição "para" tem, neste caso, um valor idêntico a "a", sendo que alterando a preposição na frase "Ela cantou uma música ao rapaz" não altera o seu significado. Ou seja, é possível que haja casos em que a preposição "a" que introduz o complemento indirecto seja substituída por outra, mantendo, ainda assim, a sua função sintáctica.

Assim, na frase "Aturei dele muitas ofensas", "dele" pode ser complemento indirecto, ainda que seja regido por "de", e a frase pode ser substituída por "Aturei-lhe muitas ofensas". De igual modo, na frase "Pus o livro em cima dele", "dele" pode ser pronomizável em "lhe", sendo possível dizer "Pus-lhe o livro em cima" ou "Pus-lho em cima". Continuando, na frase "Colei um autocolante nele", "nele" pode ser pronomizável e a frase "Colei-lhe um autocolante" é aceitável. Por aqui vemos que há bastantes exemplos de verbos regidos por "em", "para" e "de", pelo menos, que aceitam complemento indirecto, sobretudo porque estas preposições têm, em alguns casos, um valor idêntico a "a".

Dito isto, tenho tendência a concordar consigo na frase em questão, mas mais por intuição do que por reconhecer que "nele", neste caso, não pode ser pronomizável.

Também por intuição, acho que a diferença está na preposição. No caso das regências, a preposição pertence - digamos - ao verbo e não pode desaparecer com a pronominalização. Noutros casos, ela pertencerá ao complemento, podendo desaparecer. "Peguei nela" não pode ser substituído por "Peguei-lhe", mas "Peguei na mão dela" já pode ser substituído por "Peguei-lhe na mão."

Posto isto, penso que seria importante - como referi no início - uma distinção tão clara quanto possível entre complementos indirectos e complementos preposicionais, bem como uma explicação dos truques para descobrir numa frase de que tipo de complemento se trata.

Franco e Silva disse...

Mas não se diz «-- Vou apanhar-te, meu malandro!» ou «-- Vou pegar-te meu malandro» completado com « -- diz o avô correndo atrás do neto.»?
Se sim, porquê a diferença com «pegar em ... ao colo»?
Obrigado pela aguardada explicação.

Aff disse...

Poderia ser "pegá-lo ao colo"?

Rafael disse...

Este comentário não é sobre a mensagem original, mas com uma dúvida que talvez até já tenham resolvido aqui. Qual das duas formas está correcta?
- "deve-se agir apenas de acordo com as regras universais", ou
- "deve agir-se apenas de acordo com as regras universais"?
A segunda forma parece-me mais correcta, embora a primeira seja mais comum, penso eu.

Depende do verbo que sucede ao verbo "dever"? (se for o verbo lavar, "deve-se lavar" ou "deve lavar-se"? Parece-me que o "lavar" é que é reflexo...)

Obrigado!

S. Duarte disse...

Nuno, sugiro que veja esta minha resposta no Ciberdúvidas, a propósito da diferença entre o complemento indirecto e o oblíquo. (nota: na resposta, complemento relativo é, no português Brasil, o termo correspondente ao oblíquo).

http://www.ciberduvidas.pt/pergunta.php?id=22170

Nuno disse...

Lá está, nessa resposta no Ciberdúvidas é transmitida a ideia de que o complemento indirecto se introduz sempre pela preposição "a". Mas isso não é verdade, como alguns dos exemplos que dei e como muitos outros. A substituição pelo pronome "lhe" parece, de facto, o melhor critério para aferir se se trata de complemento indirecto ou não.

De resto, a resposta é bastante satisfatória. Obrigado.

Sofia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sofia disse...

A resposta em http://www.ciberduvidas.pt/pergunta.php? id=22170 não está acessível...

Sofia disse...

Reformulando a minha pergunta com mais clareza... :)
Na frase «O pai bate no filho.», «no filho» é um complemento oblíquo. No entanto, pode ser feita a pronominalização com o dativo «lhe»: «O pai bate-lhe.»
O mesmo se aplica a outras construções. Por exemplo: «Insuflou ânimo na rapariga.» / «Insuflou-lhe ânimo.»
Se pode ser feita a substituição pelo dativo «lhe», «na rapariga» e «no filho» são complementos oblíquos?

Muito obrigada!

S. Duarte disse...

Nuno e Sofia,

Antes de mais, muito obrigada pelos vossos comentários, que enriquecem tanto a nossa discussão linguística!

Apresentarei de seguida os meus argumentos a favor de que os pronomes dativos substituem apenas complementos indiretos introduzidos pela preposição «a».

A substituição dos sintagmas preposicionais (doravante a sigla SP) introduzidos pela preposição «EM» só APARENTEMENTE é que são substituíveis pelo pronome dativo –lhe.
E porquê?
Porque há verbos que admitem várias preposições. Vejamos os seguintes exemplos:

(1) Põe os óculos na bolsa. / Põe o babete ao bebé.
(2) Cola o selo no envelope. / Cola o autocolante ao Pedro, não a mim.
(3) O Gaspar bateu no móvel sem querer. / Ele bate aos filhos regularmente.

Ora, quando “experimentamos” pronominalizar os SP introduzidos pela preposição «EM» através do pronome dativo –lhe, acreditamos que este pronome está a substituir esses sintagmas. O que não é verdade.
O que o dativo -lhe substitui são as estruturas que contêm a preposição «a».

Reparem como é inaceitável a frase (5), em que o dativo –lhe substitui o SP «na bolsa»:

(4) Pus os óculos NA BOLSA.
(5) Pus-lhe os óculos.

Mas aceitável a frase (7), em que o dativo –lhe substitui o SP «ao bebé»:

(6) Pus o babete ao bebé.
(7) Pu-lhe o babete.

Em conclusão, os pronomes dativos –me/-te/-lhe têm restrições sintáticas - substituem APENAS sintagmas preposicionais introduzidos pela preposição –a – e restrições semânticas – substituem APENAS expressões com o traço [+ animado], ou seja, pessoas e animais.

No exemplo do Nuno - «Pus-lhe o livro em cima» -, o dativo –lhe substitui apenas a forma «dele» e deveria substituir todo o sintagma preposicional «em cima dele», obtendo a frase «Pus-lhe o livro», que é, do meu ponto de vista, agramatical.

Em suma, mantenho-me firme na minha convicção de que o complemento indireto é a função sintática desempenhada por um sintagma preposicional introduzido sempre pela preposição «a» e pronominalizável em dativo: -me/-te/-lhe.
O complemento oblíquo, por sua vez, é a função sintática desempenhada por um sintagma preposicional introduzido por qualquer preposição e não pronominalizável em dativo.

Sofia disse...

Cara S. Duarte,

Muitíssimo obrigada pela explicação tão clara e completa. Tem todo o sentido.
O Dicionário Houaiss diz que «lhe» é também sinónimo de «nele» e exemplifica com a expressão «insuflou-lhe ânimo» - mas será, talvez, uma falha na adaptação da versão brasileira ao português europeu...

Sofia disse...

Penso que, na frase «Pus um vestido à boneca.», o SP pode ser substituído pelo dativo «lhe». A boneca pode ser tão familiar que se torna + animada...

S. Duarte disse...

Errata:
Onde se lê:
"A substituição dos sintagmas preposicionais (doravante a sigla SP) introduzidos pela preposição «EM» só APARENTEMENTE é que são substituíveis pelo pronome dativo –lhe."

Leia-se antes:
"Os sintagmas preposicionais (doravante a sigla SP) introduzidos pela preposição «EM» só APARENTEMENTE é que são substituíveis pelo pronome dativo –lhe."