Desabafo
Desculpem, mas às vezes chego à conclusão de que isto de andar a zelar pela ortografia e pelo bom uso da língua portuguesa é uma demanda vã.
Todos os dias somos confrontados com problemas imensos que não têm solução, começando pelos sem-abrigo que nos vêm pedir esmola e acabando na poluição que todos causamos e põe em risco a vida no planeta inteiro. Os dias escorrem-nos por entre os dedos enquanto nós, os afortunados, corremos de um lado para o outro, quais formigas atarantadas, entre emprego, trabalhos "por fora", filhos, tarefas domésticas e as burocracias mais diversas. Mesmo quando podemos trabalhar e ser pagos por isso, quando temos casa e saúde, somos ainda assim dominados por angústias, medos, tensões e raivas, pequenas e grandes, que nos pintam os dias de cinzento.
Por outro lado, a vida quotidiana também é feita de alegrias. De outro modo, nem sobreviveríamos à azáfama em que resolvemos existir nas sociedades auto-denominadas como civilizadas. Temos de andar com o arco-íris no bolso, na pasta, na cabeça, ou vê-lo espreitar onde quer que seja, para mantermos a nossa sanidade mental. Recuperamos o sentido da vida quando amamos, quando nos rimos com os amigos, quando os filhos nos sorriem, quando sabemos que fizemos o melhor que pudemos, quando saboreamos uma iguaria, quando ajudamos alguém. Há sempre um momento em que podemos respirar fundo e apreciar o que acontece, ou o que sentimos, como se o medo e a raiva não existissem.
No meio de tudo isto, acaba por ser quase ridículo chamar a atenção de alguém por ter posto acento agudo em peru, batalhar pelo uso de interveio em vez de "interviu", ou insistir, orgulhosamente só, em dizer duzentos gramas.
Afinal... que diferença é que isso faz?
8 comentários :
geniallllllllllllllll
Olá, doutora
Como compreendo o seu desabafo. Recordo uma expressão usada em criança pelo meu irmão, nos idos de 60, quando confrontado com alguma dificuldade: que é isto comparado com o raio da Terra?
Ou seja, toda a luta é gloriosa ou vã, tudo dependendo da perspectiva. De facto, quando eu como peru, tanto me faz que ele tenha sido publicitado «bom peru» ou «excelente perú». O que me interessa é que esteja bem confeccionado (bom ou excelente) e que me saiba bem. Com ou sem acento… Tanto mais que a escrita, como bem sabe melhor do que eu, não passa de uma convenção. Na realidade, porque havemos de escrever «exame» e não «izâme», como pronunciamos?
Como digo atrás, tudo depende da perspectiva. E queria deixar-lhe aqui uma palavra de incentivo. Tenho acompanhado o seu trabalho através do blogue e quero dar-lhe os parabéns. Neste mundo tão materialista, bem precisados estamos de idealistas e até de uns Quijotes que combatam a sério não os moinhos de vento da mítica, mas a vacuidade das mentes. Não desista! Prossiga este caminho que, todos o sabemos, é espinhoso e nunca será devidamente recompensado. A recompensa que recebemos é aquela que nós próprios obtemos da nossa consciência e da satisfação do dever cumprido.
Se desistir, pode crer que algures nesta terra abençoada por Deus haverá de certeza uma lágrima silenciosa por mais uma luz que se apagou.
Com afecto e carinho
Jorge Pinheiro
Como eu tenho orgulho de ter sido aluna desta excepcional escritora!!!;)
Jamais a esquecerei! E sempre que tiver dúvidas na nossa língua, irei à sua procuna no ISEC.
Patrícia Carvalho
claro que é importante e vale a pena. é como lavar a cara antes de sair de casa :) beijinhos
Força professora, sinto-me orgulhoso por ter sido aluno do ISEC.
Sou professora de literatura brasileira em uma escola publica no interior do Brasil, leciono para jovens urbanos e para aqueles vindos do meio rural e é evidente que, nos dois grupos, os reflexos da língua falada se fazem presente. Desnecessário afirmar que, entre os jovens do meio rural, as dificuldades linguísticas são maiores. Quando eles me questionam sobre os "tais erros de português" procuro saltar a importância dos "acertos de português" e como uma boa redação ou uma capacidade de expressão clara, objetiva podem "abrir portas" no mundo profissional. Noto, porém, que, entre meus alunos, existem aqueles que não têm pai ou mãe, aqueles que (parece incrível) não dominam o mundo da informática ou ainda os que não têm condições financeiras para participar das festas dos finais de semana, dedico atenção para eles e procuro demonstrar que o "bom" uso da língua portuguesa pode ser um diferencial em sua formação profissional e nas oportunidades que eles conquistarão. Não farei diferença para o mundo, mas, para aqueles jovens, encontrei uma forma de motivação. Não desanimarei de ensinar, porque, sinceramente, acredito que estou construindo cidadania, pessoa autônomas que escrevendo corretamente, interessar-se-ão pela leitura e serão capazes de articular pensamentos, apresentar argumentos, enfim, pensar uma forma de transformar este país tão díspar em um país, de fato, brasileiro. abçs. Meus respeitos.
realmente nao vejo diferença substancial entre grafar peru com acento e escrever autodenominadas com hifen.
melhor talvez centrarmos os esforços na clareza do discurso.
Faz falta sim!!!
Muita falta!!!
É por estas e por outras que faz parte da minha "galeria"!
Obrigada por partilhar! ;)
Enviar um comentário