30 julho 2008

Reduzir o máximo ao mínimo




Da fusão entre duas ideias - reduzir algo o máximo possível e reduzir algo até à mínima dimensão possível - resulta uma expressão infeliz e incoerente: "reduzir ao máximo".

O que se deve dizer e escrever, portanto, para transmitir as ideias acima mencionadas (ou apenas uma delas), é:

REDUZIR (alguma coisa) O MÁXIMO possível

ou

REDUZIR AO MÍNIMO (alguma coisa).


Portanto, devemos reduzir o máximo possível o consumo de substâncias nocivas para o organismo, ou seja, reduzir ao mínimo o consumo das mesmas.

Resta-nos desejar a todos os leitores umas excelentes férias (se for esse o caso) e despedirmo-nos com este pedido: não se esqueçam de voltar em Setembro!

23 julho 2008

DESAFIO



No dia 4 de Julho, podia ler-se esta frase no Correio da Manhã:


«O primeiro-ministro José Sócrates reduziu ao máximo os compromissos governamentais para ficar ao lado do irmão, António Pinto Sousa, 45 anos, internado em estado grave na Corunha, Espanha, para ser submetido a um transplante pulmonar.»

Desafiamos os leitores a descobrirem o erro que nela está presente.

18 julho 2008

“Apartir” não é português correcto

Se a memória não me falha, houve há tempos um anúncio na rádio em que uma professora pedia aos alunos que formassem «frases com o advérbio “a partir”». E eles diziam, por exemplo, «a partir de amanhã, etc., etc. ...»

Ora, nem “a partir” é um advérbio, nem o uso do artigo definido (o) é apropriado para nos referirmos a essa expressão, porque sugere que se trata de uma palavra só.

Na verdade, “a partir de” (com a preposição de incluída), e é uma locução prepositiva (e não adverbial). E não existe, em português, nenhuma palavra com a forma: apartir, portanto não há confusão possível!

16 julho 2008

Garante e garantia



Um dos substantivos que estão claramente na moda é o garante.
Trata-se de um galicismo (proveniente do francês, garante) que designa uma pessoa: um fiador, alguém «que dá garantia, fiança ou caução» (Dicionário Priberam). Todavia, o que está na moda não é usar a palavra com esse sentido, mas empregá-la com o significado de garantia. Por exemplo, na frase “A formação dos jovens tem de ser garante da sua competência profissional.”
Confesso que não me agrada muito. se a velha garantia serve perfeitamente o mesmo objectivo “(A formação dos jovens tem de ser garantia da sua competência profissional”), para quê criar outra palavra da mesma família? Faz-me lembrar o abandono de materialista por materialístico, ou a substituição de comércio por comercialização...


14 julho 2008

O bom do bem

Já repararam como bem é uma palavra aparentemente tão simples, mas tão rica de significados?

O advérbio bem tem o sentido de bastante, por exemplo na frase: «Hoje o bebé comeu bem». Também pode significar convenientemente: «Achas que vou bem com este fato?» E, se dissermos, «Estive doente, mas agora já estou bem», o sentido de bem já é mais próximo de em boas condições. E por aí fora...

Porém, a palavra bem pode ainda ser um substantivo, designando uma acção ou comportamento bom, solidário: quando se fala de «fazer o bem». Se distinguirmos entre o bem e o mal, estamos perante conceitos muito amplos, em que bem designa tudo o que é bom, positivo, agradável, justo, recto, conforme a moral. E um bem ainda pode ser material, algo que normalmente se usa no plural e que corresponde à propriedade de alguém: os seus bens. E no Brasil, «meu bem» é expressão que se usa para falar com alguém querido, o mesmo que «meu amor».

Mas há mais! Bem pode ainda ser um interjeição e é aí que os seus sentidos são mais difíceis de definir, variando conforme a entoação que lhe damos. Em tom crescente, mas com hesitação, é uma daquelas “muletas” que nos apoiam enquanto escolhemos as palavras que diremos depois: «O que é que eu vou fazer nas férias? Bem... (ou seja, aaah)... passear, ler, descansar!»

Com entusiasmo, enquanto aplaudimos, «Bem!» pode ser o mesmo que «Bravo!». Se, no entanto, dissermos «Beeeeeem!» com uma cara espantada, exprime admiração, sobretudo entre pessoas jovens, talvez de zonas urbanas de Portugal. Por exemplo neste contexto: Fizeste esse desenho sem copiar? Beeeeem! Tens muito jeito!»

E também há o «Bem!» que significa que estamos zangados... o mesmo que «Mau!», curiosa e paradoxalmente. Imaginem a irmã mais velha para o mano impertinente, que ameaça rasgar-lhe um caderno: «Bem! Se voltas a fazer isso vou dizer à mãe!»

Finalmente, há quem diga «Bem!» com um ar sério, a meio do discurso, para suspender a narração de um facto impressionante. Trata-se de uma exclamação propositadamente ambígua, julgo eu, que visa prender os ouvintes, que não sabem se o que se vai dizer a seguir é bom ou mau: «Ontem fui àquele restaurante novo que tem feito tanto sucesso. Bem!...» (Como quem diz «Oiçam!») E o que se segue tanto pode ser «...que maravilha!!» como «...que desilusão!».

Incrível, não é?

10 julho 2008

Plural de líder



Cada vez mais jornalistas e apresentadores de informação pronunciam o plural de líder (líderes), como “lidrs” em vez de “líders”. Porquê?

06 julho 2008

A norma e o riso

Uma das questões de fundo que me pareceram mais interessantes no Encontro Comemorativo dos 20 Anos do ILTEC foi esta: afinal, que sentido faz, hoje, falar de norma linguística?

Uma das conferencistas, Ana Maria Martins, advogou o fim da norma, pelo menos tal como foi definida no século XVIII por um conjunto de homens letrados, para quem o uso correcto da linguagem era aquele que dela faziam os membros da corte. E é fácil concordar que tal conceito de norma é, efectivamente, elitista e anacrónico.

Contudo, ao retirarmos da definição o aspecto mais desfasado da sociedade actual (o facto de ser a linguagem falada na corte), a noção de norma não se torna menos vaga e continua a ser discriminatória, porque elege como padrão a variante falada pelas classes ditas “cultas” do eixo Lisboa-Coimbra. Afinal, o que são as classes cultas, quando a cultura é um conceito tão abrangente (não há nenhum ser humano, afinal, que não viva segundo uma cultura)? E por que razão o "eixo Lisboa-Coimbra" e não o Porto, ou apenas Lisboa, ou apenas Coimbra, ou mesmo outra cidade?

Finalmente, ficaram no ar as questões principais: será que precisamos assim tanto de uma norma, nos dias que correm? Se sim, como é que poderemos definir norma de uma maneira mais democrática e actual?

Telmo Móia deu uma resposta curiosa: a norma pode ser definida de acordo com os limites do risível, ou seja, o que fica de fora é aquilo que faz rir os falantes, que encaram de imediato como ridículos, estranhos ou inadequados os usos que ultrapassam aquilo que eles, consciente ou inconscientemente, consideram correcto ou aceitável.

Assim, é o contexto, a cultura, o saber linguístico de quem comunica que determina o que é a norma. Dizer “fiz-o” em vez de fi-lo, ou “há-des” em vez de hás-de pode ser completamente desviante ou perfeitamente aceitável, dependendo dos falantes que empregam e ouvem estas estruturas.

04 julho 2008

Mais bem: um bicho-papão

Hoje em dia, parece provocar pânico geral o uso da expressão «mais bem», pelo que muita gente opta pela solução que considera mais correcta, mais segura, mais elegante, até: «melhor».
Nada contra o uso desta forma. Mas também nada contra o uso da primeira.

«Melhor» corresponde ao comparativo de superioridade do adjectivo bom e do advérbio bem. Trata-se de uma forma irregular (tal como maior em relação a grande).
O adjectivo bom não admite a forma regular do grau comparativo e superlativo (*mais bom do que, *o mais bom), razão pela qual a gramática dispõe apenas da forma irregular melhor:

(1) a. Este creme é bom, mas esse é melhor.
b. *Este creme é bom, mas esse é mais bom.

Contudo, o mesmo não acontece com o advérbio bem, que admite ambas as formas – melhor e mais bem – dependendo do contexto linguístico em que ocorre. Ora vejamos:

1. Quando o advérbio bem modifica um verbo, pode (e deve) usar a forma irregular do comparativo:

(2) a. O bebé da Clara come bem, mas o da Ana come melhor.
b. *O bebé da Clara come bem, mas o da Ana come mais bem.


2. Quando o advérbio bem modifica um adjectivo participial, ou seja, um adjectivo que provém do Particípio Passado de um verbo, como informado, preparado, classificado, etc., já não deve flexionar no grau comparativo ou superlativo irregular:

(3) a. Estes alunos estão mais bem preparados do que os outros.
b. *Estes alunos estão melhor preparados do que os outros.

Um forte argumento a favor desta regra são os particípios irregulares, como escrito, feito, dito, posto, cujo uso não suscita quaisquer dúvidas:

(4) a. Este texto está mais bem escrito do que o primeiro.
b. *Este texto está melhor escrito do que o primeiro.

Curioso é o facto de ninguém hesitar no uso desta forma regular com o particípio passado do verbo passar – passado!
Ou porventura, sentados à mesa de um restaurante, pedem ao empregado o bife "melhor" passado?!

Nota: O asterisco * significa que a frase é agramatical.

02 julho 2008

Fazer ou desfazer a barba?!


Há dias, ouvi na rádio M80 esta curiosidade: Prince inventou a canção “Cream” quando estava ao espelho, a desfazer a barba.

De imediato, repeti em voz alta, em tom de interrogação: «desfazer a barba»? Tentei lembrar-me de outras ocasiões em que tivesse ouvido ou lido a expressão, em contextos em que o seu significado fosse esse que normalmente atribuímos à paradoxal combinação “fazer a barba”, ou seja, eliminar os pêlos à vista na face. Não me ocorreu nenhuma.

Depois, surgiu-me a dúvida: afinal, o que é que os dicionários atestam: fazer ou desfazer a barba?

O Priberam e a Infopédia não apresentam essa colocação sob a entrada barba. Mas o Dicionário Houaiss, assim como o Ciberdúvidas, esclarecem que a expressão que se deve usar é mesmo fazer a barba, o mesmo que barbear. E este outro verbo, reparem, também acaba por ser paradoxal: porque barbear poderia significar, logicamente, tornar barbudo!

Resta saber se a locutora da M80 estava a brincar com as palavras ou se teve a intenção de falar correctamente, aplicando, porém, a hipercorrecção ao seu discurso. Afinal, se Prince tivesse estado a desfazer a barba ao espelho, teríamos de o imaginar a tentar destruir os pêlos da sua barba (já feita), qual criminoso a apagar uma pista, porventura queimando-os ou diluindo-os em ácido!


Fica a advertência: cuidado com a lógica, porque nem sempre se aplica à língua!