tratar-se-á ou tratar-se-há?!
Numa mensagem em que nos faz a sugestão de abordarmos o tema de hoje, um leitor escreve o seguinte:
«tratar-se-há de uma dúvida tola ou ‘tratar-se-á’ de uma dúvida aceitável?»
Antes de mais, devo dizer que, para mim, e no que toca à língua portuguesa, nenhuma dúvida é simplesmente tola, todas são aceitáveis. Isto porque questionarmo-nos sobre a correcção ou incorrecção de uma forma ou estrutura linguística é um sinal de interesse e inteligência que nunca deve ser desprezado. Quem nos dera a nós, professores, que todos os alunos manifestassem as suas dúvidas, por mais tolas que as achassem!
Por outro lado, quem somos nós para avaliar o grau de relevância ou legitimidade de uma dúvida?... Quantas vezes as perguntas que fazemos sobre o que é certo ou errado parecem tolas e depois se revelam muitíssimo pertinentes? Esta até pode ser um bom exemplo.
Poderíamos dizer logo, sem pensar muito: «que disparate, "tratar-se-há"! Então aquele "á" não se vê logo que é a terminação do futuro do indicativo? Só lá está o pronome se no meio, mais nada! Tratará passa a tratar-se-á e pronto"!»
Mas também podemos ter calma e pensar um pouco. Podemos partir do princípio de que há sempre mais qualquer coisa por trás do óbvio e dar o benefício da dúvida à própria dúvida. Nesse sentido, este leitor até nos ajuda, pois escreveu o seguinte: «uns colegas falaram-me de umas contracções do ‘h’ e tal… que fiquei sem saber :)»
Pois é, caro leitor! As formas verbais que hoje identificamos como "futuro do indicativo" e "condicional" são na verdade o resultado da contracção dos verbos com o auxiliar haver, auxiliar este que identificamos sem dificuldade em construções como "hei-de encontrar", que é na verdade o mesmo que encontrarei (encontrar + hei). De igual modo, "há-de tratar" deu tratar + há, ou seja, tratará, com a supressão do h. Daí termos, com o pronome, tratar-se-á. Com o tempo, portanto, as duas formas verbais (verbo principal e auxiliar HAVER) aglutinaram-se, sendo que em muitos casos uma delas ficou reduzida, ou até ambas. É o caso de fazer + havia, que deu origem a faria = fa(ze)r(hav)ia.
Conclui-se, então, que tem muita lógica a grafia "tratar-se-há", embora seja incorrecta.
4 comentários :
Depois de ler tudo até final...ui, fiquei mais descansado.
está Certo, mas incorrecto...
;)
obviamente que queria escrever - "certo"
- um dos problemas dos comentários moderados...
Desculpe, FJ, eu também não gosto de moderar comentários. Foi uma decisão tomada a custo ao fim de dois anos, como medida extrema para evitar insultos em linguagem grosseira.
"Insultos em linguagem grosseira." Mas os insultos são gosseiros:/
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