Na inocência do nosso limitado conhecimento sobre a língua que falamos, podemos andar uma vida inteira enganados sobre a pronúncia, a grafia, ou mesmo o significado de uma palavra.
Isso não tem mal nenhum. Afinal, se toda a gente se entende, há coisas bem mais importantes na vida do que andarmos a confirmar, a toda a hora, aquilo que dizemos ou escrevemos.
Mas, quando nem todos nos entendemos e começamos a discutir sobre o que está certo e o que está errado, porque uns dizem que é assim e outros dizem que é assado, é caso para dizer que... está o caldo entornado!
Gostaria, por isso, de esclarecer que a palavra carácter não serve apenas para designar o conjunto de características que constituem a personalidade de alguém, mas também, e até em primeiro lugar (por ser o seu sentido original), uma marca, um sinal gravado ou impresso numa superfície, representando um som ou uma ideia. No entanto, o plural de carácter é caracteres — que, além de divergir na sílaba tónica, também é diferente no facto de se pronunciar o c antes do t (ao contrário do que sucede com carácter, pois dizemos [karáter].
Acontece que muito boa gente prefere usar o nome singular “caracter” (com tónica na sílaba -ter e pronunciando o c antes do t) nos contextos em que a palavra se refere a uma letra impressa, reservando o carácter (com tónica na penúltima sílaba e c mudo) para as situações em que designa “personalidade”. O mesmo sucede, aliás, com a suposta “rúbrica”, a “assinatura” (que na verdade não existe), que seria diferente de rubrica (tema de um artigo ou programa). Por outras palavras, parece que os falantes não gostam que haja uma palavra com significados diferentes, arranjando maneira de a desdobrar em duas palavras distintas, cada uma com o seu sentido.
E há mal nisso?
Haver mal não há. Mas é no mínimo desconcertante, para os que usam o termo “caracter”, descobrir que, afinal, ele não existe na língua que falam. E é igualmente desconcertante, para os que têm a função de esclarecer os outros, verem-se a tentar persuadi-los de uma verdade que é pouco convincente, se não mesmo inconveniente.