"Como deve de ser" ou "como deve ser"?
Há muita gente a dizer "deve de ser" e "deve de fazer", mas a verdade é que não estão a falar como deve ser...
A razão é simples: o verbo dever não rege a preposição de. Assim como são incorrectas as frases *«Ele deve de vir mais tarde» e «Devem de ser duas horas» (em que o verbo dever exprime probabilidade e, talvez por isso, não dê tanto azo a confusões), também é errada a expressão *“como deve de ser”.
Talvez a tendência para esta regência do verbo dever aconteça por influência do castelhano, pois nessa língua tal construção existe e é correcta. Por outro lado, pode haver uma analogia com construções em português que veiculam o mesmo tipo de conteúdo: *“deve de ser” e *“deve de fazer” têm um sentido de obrigatoriedade semelhante a “tem de ser” e “tem de fazer” e, com o verbo ter, o uso da preposição de é legítimo.
Por enquanto, porém, a expressão “deve de ser” não se recomenda, no uso da língua portuguesa. No entanto, talvez venha a vingar, nunca se sabe... até porque é empregada por escritores como José Saramago, porventura para dar mais vivacidade ao discurso de pendor oralizante.
18 comentários :
Olá professora! Há quanto tempo :)
Espero que volte como deve ser :p
beijinho
A dos "tiosques" não conhecia. LOL
O verbo dever não rege a preposição de, mas, se o usarmos no infinitivo, já pode vir a seguir a preposição de? (Ele tem o dever de ser honesto) Ou é porque neste tipo de frase "dever" se tornou substantivo?
Nessas frases, dever é nome, sim!
não! não pode ser! não acredito! Saramago escreve "dever de"? a sério?
Saramago tem uma boa razão: a sua escrita pretende, em boa parte, ser fiel ao discurso oral (em registo popular, ou pelo menos familiar) das personagens que falam através das suas palavras.
Portanto, sempre que eu quiser ser fiel ao discurso oral estou à vontade para escrever o que quiser. Certo?
É claro que está à vontade! Mas deve sempre ter em conta o tipo de texto que está a escrever e o público a que se destina. Para que os seus leitores não o/a tomem por ignorante...
Já leu o conto "Hades" de Luísa Costa Gomes? (Está disponível na Internet).
Deem uma olhada a isto: http://www.ciberduvidas.pt/pergunta.php?id=12892
Estive a ler um texto sobre este assunto noutra pagina, escrita em 2003 e a conclusão é contrária. Segundo o que escreveram no link que se segue, "deve de ser" está correcto, embora eles apenas se baseiem no facto de Luís de Camões ter escrito das duas formas, ao que me parece.
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=12872
Esclarecimentos e correções?
Devem de estar (SIM, É CORRETO!!!) a brincar!
Boa tarde S. Duarte e S. Leite,
Embora hoje em dia haja tendência para a supressão da preposição "de" depois do verbo "dever", a verdade é que a expressão "dever de" está registada nos nossos dicionários e consagrada nas nossas obras literárias. O Novo Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa, da Lello Editores, publicado em 1999, dá como exemplo a seguinte frase : "assentaram que deviam de estar naquela praia, onde saíram do galeão" — Quadros da Hist. Trágico-Marítima, Selec. de Rod.Lapa, 4a ed., p.2.
Atentamente,
Paula
Não se precipitem a trucidar Saramago. Junto mais um argumento de autoridade a legitimar a expressão: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/dever-de/4260
Ninguém aqui pretendeu trucidar, nem trucidou, o grande escritor José Saramago!
Obrigada pelo contributo.
A aposição da preposição "de" + infinitivo a seguir a uma forma do verbo "dever" indica probabilidade, suposição. Já não se aplica se se pretende indicar certeza. Modernamente, tende-se a suprimi-la mesmo na primeira situação. Abraço.
https://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica/DID/1470
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/dever-de/4260
Muito interessante isto, sim senhora. E o Saramago escreve "deve de ser", como também usa em profusão a dupla negativa - que muita gente considera errada. Mas a explicação está dada, e eu não sabia que era essa. De qualquer das maneiras, nada disso tira o brilho e a beleza da sua proza singular.
Conclusão:
- Não existe uma única forma correcta e absoluta de se escrever e de falar em português, porque esta é uma língua viva e dinãmica.
Não são os especialistas ou doutores que impõem a norma linguística, como uma lei, e se esta evolui de uma forma ou de outra.
Eu, por exemplo, não adoptei o último (des)acordo ortográfico de 1990!
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