15 junho 2007

A virtualidade da virtude de complicar

Muita gente complica.

Dizem que a língua portuguesa é traiçoeira, que engana, que é difícil, e por aí fora. Mas a verdade é que não são raras as vezes em que somos nós, os falantes, que atraiçoamos a própria língua.

Hoje o Jaime alertou-me para o facto de haver quem diga virtualidade em vez de virtude. Não me surpreendeu, uma vez que é frequente as pessoas optarem – sobretudo em contextos formais – por palavras mais compridas, mais “bem sonantes”, mas que afinal não significam aquilo que elas pensam e por isso tornam o discurso incorrecto ou até incoerente.

Virtualidade é a qualidade daquilo que é virtual, ou seja, potencial, possível, ou ainda simulado (por oposição a real); a virtude é uma qualidade moral positiva, por oposição a um defeito. Assim, será muito pouco provável haver um contexto em que ambas as palavras possam ser usadas como sinónimas. Vejam, por exemplo, o resultado de trocar uma pela outra nestas frases: “estamos a entrar numa era em que a virtualidade assume a mesma importância que o real” e “a honestidade continua a ser considerada uma virtude”.

Uma confusão semelhante ocorre com os termos referir / referenciar e notar / denotar, que também não têm o mesmo significado, mas que muitos falantes usam alternadamente, como se tivessem, consoante a formalidade da situação.

13 comentários :

Anónimo disse...

A propósito, aqui há dias ouvi um comandante de bombeiros a dizer na TV que as vítimas de um acidente "se encontravam em estado de óbito".

Possidónio não?

Alecrim disse...

Lol, para o estado de óbito.
Eu, em garota, chamava a um dos meus irmãos "estúpido, estupendo, estupefacto!"...

Anónimo disse...

Nunca ouvi ninguém dizer virtualidade em vez de virtude mas quando ouvir, se ouvir, já sei :p essa do óbito também foi boa :D

Anónimo disse...

Obrigado, Tikka. :-)

Jaime
www.blog.jaimegaspar.com

Anónimo disse...

Deprofundis, essa do «estado de óbito» é linda. Acho que há uns tempos alguém disse algo como «o cadáver foi encontrado já morto.»

Jaime
www.blog.jaimegaspar.com

S. Leite disse...

E já houve quem se referisse várias vezes, num trabalho para a minha disciplina, à "Vila de Óbitos"! Francamente...

Anónimo disse...

A "Vila de Óbitos" é o cemitério. :-)

Jaime
www.blog.jaimegaspar.com

Anónimo disse...

Sara,

Em relação aos contrários, diria mais que o antónimo de "virtude" será "vício". O contrário de "defeito" será "qualidade". Acho isto porque "virtude" pressupõe um hábito (bom) e não uma qualidade circunstancial; tanto como vício será um hábito (mau).

Força com o blogue!

antónio

S. Leite disse...

Obrigada pelo contributo, António! Mas se pensarmos em virtudes e defeitos enquanto características morais, não há nada que obrigue a que sejam circunstanciais. No meu entender, nem sempre as virtudes estão associadas a hábitos.

Anónimo disse...

Ver preâmbulo do Decreto-Lei n.º 140/2009 de 15 de Junho.

Nuno D. Mendes disse...

Infelizmente o fenómeno não se verifica apenas com a palavra virtude, agora cada vez mais substituída por 'virtualidade'.

Também os locais deixaram de ter bons ou maus acessos para terem boas ou más acessibilidades, quando se deveria dizer que a acessibilidade é boa ou má em virtude de ter bons ou maus acessos.

Na mesma linha, deixou de falar-se em famílias com ou sem posses para se preferir dizer famílias com ou sem possibilidades.

Em arquitectura também não se colocam árvores nas maquetes, mas sim 'elementos arbóreos'.

Lécia de Freitas disse...

Ouvi a Secretária de Ação Social de minha cidade dizer em uma entrevista:
"...aquelas gestantes que estiveram grávidas, favor procurar..."

S. Leite disse...

;) Acontece...!