09 setembro 2015

Pares Difíceis da Língua Portuguesa






Já alguma vez hesitou, quando estava prestes a utilizar a palavra renitente, e considerou que talvez fosse mais adequado dizer reticente? Sabe qual a diferença entre os verbos deferir e diferir? Nunca teve dúvidas sobre os contextos em que as palavras cota e quota podem ser sinónimas? E nunca se atrapalhou na escrita de palavras homófonas, como estrato e extrato?
É bem conhecida a semelhança que existe entre certas palavras, às quais se dá o nome de parónimos, cujas parecenças – que abrangem a pronúncia e a grafia – levam a que se torne muitas vezes difícil diferenciá-las e empregá-las com rigor e propriedade em todas as ocasiões.
Em linguagem rigorosa e acessível, este livro apresenta os significados de 320 pares de palavras que se confundem com frequência, podendo assim ajudar os leitores a fazer a melhor opção, de acordo com o que pretendem dizer ou escrever, por exemplo entre à e , de baixo e debaixo, descriminar e discriminar, diagnóstico e prognóstico, florescente e fluorescente, obsessão e obcecação, porque e por queremição e remissãosedeada e sediada, etc., etc., etc.... O livro foi lançado hoje pela editora Planeta. Esperamos que seja útil a muita gente!

11 agosto 2015

Espontâneo: sinónimo de voluntário e de involuntário?




É engraçado como a palavra espontâneo tem dois significados que parecem contraditórios, pois tanto pode ser sinónimo do adjetivo voluntário como do seu oposto, involuntário. Vejamos como...

Por um lado, espontâneo tem o sentido de voluntário, quando se refere a uma ação ou comportamento que não carece de qualquer estímulo, como um gesto de simpatia, solidariedade ou caridade, que uma pessoa pratica por vontade própria, sem ser porque alguém o solicita ou exige, sem precisar de ser reconhecido ou recompensado por isso, apenas porque quer. Por exemplo:

     O seu gesto foi espontâneo, não precisou que lhe pedissem ajuda.
Ou:        O seu gestou foi voluntário, não precisou que lhe pedissem ajuda.

Por outro lado, espontâneo pode ser o mesmo que involuntário, no sentido em que caracteriza algo que sucede de forma natural ou intuitiva – por exemplo, o crescimento de ervas daninhas ou a reação de fechar os olhos, quando alguém aproxima deles um dedo ou uma mão, de forma brusca. Assim, podemos ter as frases:

              Encolheu-se num gesto espontâneo para se proteger.
Ou:        Encolheu-se num gesto involuntário para se proteger.


Estas e outras curiosidades poderão ser encontradas no nosso novo livro, que será editado já no próximo mês, pela Planeta!

06 julho 2015

Descomplicando a gramática - de pais para filhos



Hoje, e a propósito da publicação recente da nossa Gramática Descomplicada, fomos entrevistadas para o programa "TSF Pais e Filhos". O entrevistador solicitou-nos que sugeríssemos truques e dicas que os pais pudessem utilizar para ajudar os filhos a estudar Português.
Ora, tal como o subtítulo indica (Para pais e filhos, alunos e professores e muito mais), nós procurámos, de facto, fazer um livro que tanto servisse para os jovens estudantes como para os seus progenitores: os filhos encontram ali explicações sobre os diferentes aspetos da gramática que precisam de saber; os pais podem consultar o livro antes ou durante o acompanhamento dos filhos, presumindo que podem estar com eles enquanto estudam ou fazem os trabalhos de casa. O livro é uma espécie de “cábula” a que os pais podem recorrer para rever as matérias que podem estar esquecidas, ou para aprender aquilo que agora tem uma abordagem diferente (caso da nova terminologia, que afetou os nomes de algumas classes gramaticais e funções sintáticas, por exemplo).
Para consultar de forma rápida e eficaz a nossa gramática, recomendo usar em primeiro lugar o índice para procurar o tópico pretendido. Em princípio, ao abrir a página para a qual o índice remete, o pai ou mãe encontrará a informação pretendida. Se não ficar esclarecido/a, sugiro que nos contacte, ou que faça uma busca no Ciberdúvidas, onde há inúmeras respostas a perguntas feitas por pessoas com dúvidas de português ao longo dos últimos 18 anos, no mundo inteiro, e onde os vários consultores continuam a responder às perguntas novas que vão surgindo. Se o problema dos pais é a matéria, existem muitos meios para ficarem esclarecidos e depois poderem ajudar os filhos a estudar.
Quanto a truques e dicas, eu diria que em muitos casos tudo começa pela mentalização. Muitos pais partem do princípio de que não têm tempo nem paciência para ajudar os filhos, e essa questão tem de estar resolvida antes que qualquer truque ou estratégia possa resultar. No que respeita ao tempo, a mentalização pode passar por pensar que, durante a meia hora seguinte, se vão dedicar exclusivamente ao filho ou filha, e tudo o que tenham de fazer fica suspenso, podendo ser resolvido depois. Meia hora em princípio é suficiente para dar aos filhos uma ajuda preciosa, e a decisão de a dispensar permite eliminar da equação o problema do tempo. A questão da impaciência pode ser minimizada, se os pais se concentrarem mais em perceber a matéria do que em enervar-se por os filhos estarem inseguros. Penso que uma boa estratégia é que os pais façam de conta que são outro estudante, um colega do filho, também a tentar apreender a matéria, e não uma espécie de polícia que está ali só para se certificar de que a criança faz o trabalho bem feito, ou estuda como deve ser. Estudar com eles é mesmo estudar com eles. Não é vê-los a estudar, e também não é estudar por eles, claro.
Um truque que eu aconselho, por exemplo no uso da gramática, é terem sempre à mão papel e caneta, onde possam ir transcrevendo frases das explicações ou dos exemplos do livro, mas com espaços em branco em vez das palavras-chave, para que os filhos os preencham com os termos em falta, depois de terem lido essas páginas. Por exemplo, «O predicado é a função sintática desempenhada pelo __________. Pode ser constituído apenas pelo _________, pelo verbo e pelos seus __________  e pelo verbo e seus _________» (p. 117). É uma boa maneira de confirmar que eles retiveram a informação e uma forma de criar ali facilmente um exercício para pôr em prática os conhecimentos recém-adquiridos.
Também podem, ao copiar, modificar ligeiramente as frases dos exemplos, alterar a sua ordem, etc., para não tornar o exercício tão fácil e previsível. Por exemplo, no caso das conjunções, os pais podem fazer, a partir da gramática, uma lista com as 5 copulativas e as 8 subordinativas (p. 77-78). Como apresentamos primeiro uma lista das diferentes subclasses com uma frase exemplificativa para cada, e depois um quadro com as diferentes conjunções e locuções para cada subclasse, podem-se inventar facilmente novas frases, a partir daquelas que nós apresentamos, usando conjunções diferentes. Assim, os pais podem pedir aos filhos que identifiquem o tipo de conjunção em cada caso. Por exemplo, a frase-exemplo para as conjunções temporais é: Fica aqui sentado, enquanto compro os bilhetes. E ao consultar o quadro vê-se que há muitas outras possibilidades, além de enquanto, no caso das conjunções temporais: quando, mal, antes de, desde que, sempre que, etc. Então, os pais podem escrever no papel uma frase como Comprei os bilhetes, mal eles chegaram, entre outras elaboradas de forma semelhante, e depois pedir aos filhos que digam qual é a classe e a subclasse das conjunções presentes em cada frase, e inclusivamente adaptar esse exercício para o estudo das funções sintáticas.
Enquanto copiam regras e exemplos, os pais vão assim interiorizando a matéria. Escrever, tanto para os pais como para os filhos, é uma forma muito mais eficaz de fixar os conteúdos do que simplesmente ler. Dá trabalho, sim. Mas descomplicar também é isso: parece que estamos a complicar, ao início, porque de certo modo estamos a desconstruir para tentar compreender melhor, mas no final descomplica-se, porque aquilo que parecia um “bicho de sete cabeças” acaba por deixar de ter segredos para nós.

11 junho 2015

Evasiva ou invasiva?


Ora aqui está um processo inovador e garantidamente eficaz!
Esta lipoaspiração, ao contrário de outras, não é evasiva, ou seja, não desaparece a meio do serviço, como quem está farto e quer desanuviar noutras paragens... Não. Esta lipoaspiração não se evade, tem noção da sua responsabilidade e faz o trabalho que lhe compete até ao fim, o que naturalmente deixa as clientes descansadas e satisfeitas...

Fora de brincadeiras: invasiva seria o termo certo. Os métodos de tratamento não invasivos são aqueles que não são agressivos, não envolvem incisões nem outras formas de penetração no organismo.

Evasivo/invasivo é, portanto, um par de palavras parónimas que convém saber diferenciar!


13 março 2015

"Crise humanitária"?!


   A Wikipédia informa que uma "crise humanitária" é «uma situação de emergência, em que a vida de um grande número de pessoas se encontra ameaçada e na qual recursos extraordinários de ajuda humanitária são necessários para evitar uma catástrofe ou pelo menos limitar as suas consequências.»

   Porém, o Ciberdúvidas alerta para o erro frequente de se utilizar tal expressão, explicando que se trata de um equívoco causado pela tradução literal do adjetivo inglês humanitarian, que não faz sentido transpor para o nosso idioma, uma vez que o significado de humanitário em português é «em prol da humanidade». Uma vez que as situações de crise, ou de catástrofe, não acontecem em favor da humanidade, antes colocando-a em situação de perigo, só a ajuda e o apoio é que se podem considerar humanitários.

  Mas as pessoas insistem em falar de "crises humanitárias" e em "catástrofes humanitárias". É um daqueles casos complicados, em que me parece que o uso irá claramente impor-se à norma, isto é, em que a força do hábito linguístico de toda uma comunidade (que inclui os falantes de português espalhados pelo mundo) será decerto mais forte do que quaisquer argumentos semânticos, etimológicos, etc., que se possam invocar em nome da utilização rigorosa de tal palavra.

    Não é que eu seja a favor da tradução fácil e simplista que tantas vezes nos leva a dizer autênticos disparates só por preguiça de pensar um pouco (chamando, por exemplo, "condicionador" ao amaciador de cabelo). Mas tenho de reconhecer que dificilmente os falantes comuns serão convencidos a falar de "crises humanas", quando o que está em causa é a sobrevivência de centenas ou milhares de pessoas, e não a tendência natural do ser humano para viver em estado de crise, no sentido filosófico do termo, por exemplo em virtude da consciência da finitude da vida ou da impossibilidade de cada eu ser um outro.

    É normal procurarmos diferenciar as palavras, quando pretendemos referir-nos a ideias diferentes. É isso que leva tanta gente a distinguir, por exemplo, "rúbrica" (assinatura) de rubrica (tópico ou secção), embora somente a palavra rubrica esteja consagrada nos dicionários, com ambos os significados. É natural, portanto, que se use cada vez mais "humano", em termos genéricos, quando se pretende qualificar algo "relativo à humanidade" e "humanitário" quando se quer falar de algo que põe em causa a sobrevivência das pessoas.

27 fevereiro 2015

Infligir e não "inflingir"

   Gosto de acompanhar os acontecimentos mais recentes lendo, todas as manhãs, lendo o "Expresso curto" do Jornal Expresso. Hoje, porém, não pude deixar de parar de ler para vir aqui lembrar a todos os interessados como se deve dizer e escrever o verbo infligir, pois o erro que me saltou à vista num dos parágrafos do texto* recordou-me que se trata de um deslize frequente entre portugueses. A minha intenção não é pôr em evidência a falha do autor do texto (é humano e eu também: todos temos "telhados de vidro"...), mas alertar os leitores deste blogue para a facilidade com que certas palavrinhas nos podem enganar.
 
   Provavelmente, é mais um caso de contaminação fonética, pois o núcleo da primeira sílaba é constituído por uma vogal nasal ([ ĩ ]), o que leva muitos falantes a nasalisarem, por influência do contexto, a vogal da sílaba seguinte. Esta é, então, pronunciada como [ f l ĩ ] em vez de [ f l i ], à semelhança do que sucede com insosso, que tanta gente diz "insonso". Para mais, existe a palavra (parónima) infringir (que no entanto significa algo diferente: "quebrar, trangredir, violar uma regra"), essa sim com duas vogais nasais seguidas, o que pode causar alguma confusão entre as duas.

   Fica, então, a advertência, a lembrança ou o alerta: infligir é que está certo, "inflingir" está errado!



* Por cá, está longe de terminar a polémica a propósito da gaffe de António Costa, que hoje é destaque na imprensa nacional (capa do i, do DN, do Público). Destaco as opiniões, à esquerda e à direita, de Daniel OliveiraHenrique Raposo, no Expresso Diário. Se é certo que a direita está a usar o caso o mais que pode para inflingir danos aos socialistas, não o é menos que o próprio Costa quanto mais se tenta desenvencilhar do nó que crioumais enleado parece ficar. Ele diz que está perplexo. Nós percebemo-lo. Também estamos. (Martim Silva, "Expresso Curto", 27/02/2015, acessível em https://www.facebook.com/jornalexpresso)

16 fevereiro 2015

O que é um "catrapázio"?



   Curiosamente... NADA!

   Confesso que fiquei surpreendida, ao verificar isso mesmo, nos dicionários que consultei. Porque já muitas vezes ouvi dizer esta palavra e presumi que o significado fosse "cartaz muito grande". Admito que soava a corruptela, mas são tantas as corruptelas que acabam por consagrar-se pelo uso, que me pareceu o caso provável desta.
   Afinal, não existe mesmo. O que de mais próximo se pode utilizar é cartapácio, vocábulo erudito, que designa um livro grande, antigo, um alfarrábio. Ora, não é nada disto que pretende quem gosta de falar de "catrapázios" escarrapachados nas paredes e nos muros, como aquele a que eu queria referir-me hoje. Acabei por dizer «cartaz gigante», que não tem metade da graça... E suspeito que muito boa gente nem teria desconfiado do mau português, caso eu tivesse optado por empregar aquela sugestiva combinação de sons, afinal "proibida".
   Talvez possamos começar a usar "catrapázio" com tanta frequência, que a palavra seja finalmente reconhecida na língua portuguesa, o que me dizem?!