25 junho 2009

Não penso, logo, traduzo



A tradução literal é uma forma de ignorância? Às vezes, parece.

Se não é por ignorância, como se explica que chamemos agora "palavras-passe" (passwords) às senhas de outrora, "condicionadores" (conditioners) aos amaciadores de há anos, "estacionário" (stationery) ao material de escrita de antigamente, e até, por vezes, "rudes" (rude) às pessoas simplesmente mal-educadas?

Se não tivermos cuidado, qualquer dia teremos de nos referir aos conservantes como "preservativos" e à prisão de ventre como "constipação". Sim, meus amigos, porque, em inglês, é isso que significam preservatives e constipation, respectivamente!...

Então, não acham melhor sermos mais criteriosos na forma como tratamos a nossa língua?!

23 junho 2009

Pegar-lhe ao colo ou pegar nele ao colo?

O verbo pegar, com o significado de «agarrar, suster, segurar», não coocorre com um complemento indirecto, mas sim com um complemento oblíquo (isto é, um complemento preposicional que não é pronominalizável em –lhe).
Assim, deve dizer-se: «vou pegar em alguém ao colo», logo, «vou pegar nele ao colo». A estrutura "vou pegar-lhe ao colo" é incorrecta, porque corresponderia a "vou pegar a alguém ao colo".
Portanto, quando quiserem pegar em alguém ao colo, não digam «vou pegar-te ao colo», mas sim «vou pegar em ti ao colo»!

19 junho 2009

Vírgula intrusa

Não é um ditado popular, mas podia ser. Qualquer coisa como "se há vírgula entre sujeito e predicado, já está o caldo entornado." Ou "entre predicado e sujeito não se mete vírgula a eito"...

Não tenho dúvidas de que quase todos os leitores deste blogue ouviram as suas professoras (porque eram quase sempre "elas") dizerem, na escola, que nunca se deve pôr vírgula entre o sujeito e o predicado - sendo este dos poucos critérios que regem o emprego da vírgula (para não dizer o único) do qual têm consciência.
Então, por que razão ainda acontece tanto colocar-se errada e involuntariamente a vírgula entre o sujeito e o predicado? Ora, decorar a regra é simples, mas conseguir identificar o sujeito e o predicado em todas as orações é muito mais difícil...
Num certo cartaz que ainda se vê hoje pelas ruas está escrito, por exemplo, que «Abstenção, não é solução». É caso para dizer que está o caldo entornado - no que toca à pontuação, claro. Porque nada tenho contra a ideia expressa na frase!

17 junho 2009

Está preconcebido que é "pré-concebido"...

Não sei se repararam que, no artigo anterior, aparece o adjectivo (no feminino) preconcebida - assim mesmo, sem hífen e sem acento no e.

A mim, confesso, dá-me vontade de escrever a palavra de outra maneira... aquele prefixo, pré, com o e tão aberto, está mesmo a pedir que o grafem de forma a destacá-lo do radical. Aliás, as tabelas que aparecem nos prontuários para nos esclarecer sobre o uso dos prefixos deixam-nos desconcertados. Não é que nos dizem que o hífen se usa, depois de pré-, em qualquer palavra?!

Contudo, preconcebido e preconceber, palavras relacionadas com o substantivo preconceito, escrevem-se sem hífen, porque assim foram consagradas, através do uso. E os dicionários são unânimes, ao menos nisto!
Não podemos ir contra a norma ortográfica, obviamente. A única coisa que podemos fazer é grafar pré-conceito (variante que alguns dicionários aceitam), assim mesmo, quando queremos enfatizar o facto de se tratar de um conceito concebido antes de algo, previamente, o que só fará sentido em determinados contextos.

Enfim, trata-se de um daqueles casos em que, quando os alunos erram, até me custa penalizá-los. Apetece-me dar-lhes razão por terem escrito "pré-conceber" ou "pré-concebido", porque faz sentido e os prontuários assim recomendam. Às vezes, em tom de brincadeira, acabo mesmo por dizer: «desculpem lá qualquer coisinha...!»



Enfim, são ossos do ofício!

15 junho 2009

"Ter o estigma de que"...


Antes de mais, agradeço a todos os que responderam ao desafio anterior!

Estigma significa marca (física) na pele, um sinal que tanto pode ter sido causado por uma doença, como por um ferro em brasa, ou outro agente causador de uma mancha ou cicatriz. Por extensão, pode ser ainda uma mancha, sinal, que causa vergonha, desonra, ou outro sentimento negativo.

Assim, é possível "ter o estigma de alguma coisa", por exemplo, ter o estigma da derrota, por falhar constantemente. Também podemos "ter o estigma de que", em construções como Aquela instituição tem um estigma de que nunca se livrará ou mesmo O homem parecia ter o estigma de que seria sempre um oprimido - embora esta construção seja pouco usual e mais forçada.
O que não faz sentido é dizer que alguém tem o estigma de que outra coisa é alguma coisa. Ou seja, a frase do desafio («Algumas pessoas têm o estigma [de] que as creches são meros depósitos de bebés») está incorrecta. Aqui, não é legítimo dizer que as pessoas têm "a marca" de que as creches são depósitos de bebés, pois quem tem essa marca são as creches e não as pessoas.
O que se poderia dizer é que as pessoas têm a ideia (preconcebida) de que as creches têm essa função. E parece-me que o motivo do erro está aí: usar-se "estigma" como se significasse "ideia preconcebida". Mas também podemos dizer que as creches é que têm a tal marca, o estigma (atribuído por algumas pessoas), de que servem apenas para depositar as crianças.

Em suma: que os estigmas deixem de marcar as creches e as pessoas, pois só servem para manchar umas e outras!

09 junho 2009

Certo ou errado?

Estará ou não correcta a frase seguinte, do ponto de vista sintáctico-semântico?

Algumas pessoas têm o estigma que as creches são meros "depósitos" de bebés.


05 junho 2009

Estrangeirismos, pediram licença para entrar?

Vivemos na era da imagem. O corrupio para os ginásios e para as clínicas de beleza espelha uma verdadeira obsessão pela figura perfeita.
E a língua não escapou a esta vaidade excessiva. Também ela usa cada vez mais maquilhagem e mais adornos, e como se o produto nacional não fosse de boa qualidade, procuramos embelezá-la com adereços vindos de fora.
No universo da moda, as manequins não se podem esquecer dos seus books e composites sempre que vão a um casting. E o look convém ser bastante clean, por isso não devem exagerar na make-up!
No meio publicitário, qualquer projecto começa com um briefing dado pelo cliente, que define o deadline e aprova ou não o budget.
Na praia, os surfistas procuram ondas para exibirem os seus drops e os seus snaps. E se o mar estiver flat ou houver muito crowd, o melhor é fazer um jogging matinal ou então ficar deitadinho na toalha a apanhar banhos de sol.
E por falar em sol, não adianta tapá-lo com a peneira. Os estrangeirismos estão por todo lado, qual praga veio para nos consternar. Decididamente, entraram sem pedir licença.
Mas eles não vivem apenas em “condomínios fechados”. Eles coabitam cada vez mais em lugares comuns: no shopping, a fast food; nas lojas, os tops e as t-shirts, no cabeleireiro, o brushing; na rua, o carjacking; na escola, o bullying
E desengane-se quem pensa que os usamos por necessidade linguística. A verdade é que os usamos por moda, por prestígio e por estatuto social.
Porque há ou não um certo glamour (desculpem, queria dizer encanto!) em dizer spa em vez de termas, resort em vez de estância, feedback em vez de retorno, performance em vez de desempenho, nuances em vez de madeixas?!

Encanto para uns, tormento para outros…
Um autêntico tormento para quem vê no estrangeirismo uma ameaça ao seu património linguístico e cultural.
Mas não há nada que possamos fazer, senão rendermo-nos às evidências…
E por enquanto ainda os utilizamos gratuitamente. Mas não deve faltar muito para que tenhamos de pedir licença para os usar: empresta-me essa palavra, se faz favor?

01 junho 2009

Focar, focalizar e... enfocar?!



Sabendo que todos estes verbos estão atestados em português, a minha pergunta é: será mesmo necessário haver três verbos tão semelhantes na forma e com significados idênticos?
A resposta mais imediata que me ocorre é... não.
No entanto, também não é caso para culpar o excesso de produtividade lexical portuguesa! Até me ficaria mal, dado que já aqui tenho criticado a preguiça generalizada que nos leva a adoptar estrangeirismos a torto e a direito, muitos deles ridículos e desnecessários.
Surge-me, então, outra pergunta: o que é que esta multiplicação de palavras relacionadas com o acto de “pôr em evidência” revela sobre nós?
Que fazemos esforços permanentes para nos concentrarmos no que é importante? Que somos exibicionistas? Que temos alguma falta de visão e por isso nos esforçamos por encontrar a palavra certa para designar a acção de “captar uma imagem nítida”, como se, ao mudarmos de focar para focalizar e de focalizar para enfocar estivéssemos a ajustar o foco da nossa máquina fotográfica mental?
Pois então, se é para ver melhor, se é para visionar, se é para visualizar, foquemos, focalizemos, enfoquemos, “enfocalizemos” o que é preciso!