Não tenham medo de "ter aceitado"!
A hipercorrecção – acto que consiste em pretender corrigir-se, ou corrigir alguém que usa uma construção correcta, substituindo-a por uma errada – está sempre a fazer das suas...
Ora nos olham de lado por pedirmos “duzentos gramas de fiambre”, ora se riem na nossa cara quando dizemos “ter entregado”, ora torcem o nariz quando nos ouvem dizer “ter intervindo”, “reouve”, “abaixado” e outras palavras ou expressões que se tornaram estranhas, simplesmente porque algumas pessoas se convenceram de que não eram correctas.
Por vezes, temos mesmo a sensação de que remamos contra a maré. Afinal, como perguntava um aluno há tempo, se a maioria das pessoas anda a cometer o erro, isso não significa que a forma errada vai substituir a correcta?
De facto, é provável que isso aconteça com algumas estruturas. Prova disso é que o Particípio Passado regular do verbo pagar, que era pagado, caiu
Mas para já, não faz sentido que repudiemos essas formas, quando até usamos outras semelhantes, que por alguma razão curiosa não estranhamos, como prendido, acendido, libertado ou descalçado.
Deixamos então aqui um esclarecimento para quem, como nós, esteja disposto a remar contra a corrente da hipercorrecção:
quando os verbos têm duas formas de Particípio (aceitado/aceite, entregado/entregue, matado/morto, etc.), a mais longa, terminada em -ado/-ido, usa-se nos tempos verbais compostos, com o auxiliar ter. Por exemplo: “que pena eles não terem aceitado o convite”; “já lhe tinha entregado o livro”; “os acidentes de viação têm matado muita gente”.
A mais curta, que é a forma irregular, usa-se nas construções passivas, com auxiliares como ser, estar, ficar, etc. Por exemplo: “o convite não foi aceite”; o livro já está entregue”; “muita gente foi morta”.
Portanto, não tenham medo de dizer “ter aceitado” – como muitos jornalistas, comentadores, políticos e intervenientes na sociedade parecem ter!