28 fevereiro 2007

Não tenham medo de "ter aceitado"!

A hipercorrecção – acto que consiste em pretender corrigir-se, ou corrigir alguém que usa uma construção correcta, substituindo-a por uma errada – está sempre a fazer das suas...

Ora nos olham de lado por pedirmos “duzentos gramas de fiambre”, ora se riem na nossa cara quando dizemos “ter entregado”, ora torcem o nariz quando nos ouvem dizer “ter intervindo”, “reouve”, “abaixado” e outras palavras ou expressões que se tornaram estranhas, simplesmente porque algumas pessoas se convenceram de que não eram correctas.

Por vezes, temos mesmo a sensação de que remamos contra a maré. Afinal, como perguntava um aluno há tempo, se a maioria das pessoas anda a cometer o erro, isso não significa que a forma errada vai substituir a correcta?

De facto, é provável que isso aconteça com algumas estruturas. Prova disso é que o Particípio Passado regular do verbo pagar, que era pagado, caiu em desuso... Será esse o destino de entregado, matado, aceitado e tantos outros Particípios regulares de verbos com duplo Particípio? Tudo indica que sim.

Mas para já, não faz sentido que repudiemos essas formas, quando até usamos outras semelhantes, que por alguma razão curiosa não estranhamos, como prendido, acendido, libertado ou descalçado.

Deixamos então aqui um esclarecimento para quem, como nós, esteja disposto a remar contra a corrente da hipercorrecção:

quando os verbos têm duas formas de Particípio (aceitado/aceite, entregado/entregue, matado/morto, etc.), a mais longa, terminada em -ado/-ido, usa-se nos tempos verbais compostos, com o auxiliar ter. Por exemplo: “que pena eles não terem aceitado o convite”; “já lhe tinha entregado o livro”; “os acidentes de viação têm matado muita gente”.

A mais curta, que é a forma irregular, usa-se nas construções passivas, com auxiliares como ser, estar, ficar, etc. Por exemplo: “o convite não foi aceite”; o livro já está entregue”; “muita gente foi morta”.

Portanto, não tenham medo de dizer “ter aceitado” – como muitos jornalistas, comentadores, políticos e intervenientes na sociedade parecem ter!

27 fevereiro 2007

Ler bem para escrever melhor


Uma das generalizações a que quase nenhum professor de Português resiste é esta: “eles escrevem mal, porque não lêem.”

Sabemos que isto não se aplica a toda a gente, mas há muitos alunos que admitem não ler “livros a sério” e até concordam que escreveriam melhor se o fizessem. Aqueles que afirmam ler bastante e confessam escrever mal são casos excepcionais.

É claro que, hoje em dia, nem tudo o que se lê vale a pena, nem tudo o que está escrito está bem escrito, sobretudo na Internet, que deve ser a fonte de leitura mais consultada pelos estudantes – pelo menos a julgar pelas “bibliografias” que agora apresentam no final dos trabalhos.

Mas uma coisa é certa: raríssimos são aqueles que lêem muito (livros a sério) e escrevem mal.

A pergunta que fica no ar é esta: afinal, o que são livros a sério?!


26 fevereiro 2007

Lavaste e lavas-te


A frequente dúvida de se pôr ou não hífen em determinadas formas verbais pode ser resolvida com dois simples truques!

Na frase “Lavaste o carro ontem?”, a forma “lavaste” escreve-se sem hífen, porque o TE é parte integrante do verbo, trata-se da desinência da 2ª pessoa do singular no Pretérito Perfeito do Indicativo (veja-se o restante paradigma: lavei, lavou, lavámos, lavaram).

Na frase “Lavas-te com sabonete?”, a forma “lavas-te”, pelo contrário, é grafada com hífen, de modo a separar a forma verbal “lavas” do pronome pessoal reflexo TE (lavo-me, lava-se, lavamo-nos, lavam-se). Por conseguinte, não se trata do mesmo TE.

O primeiro truque consiste no uso da negativa. Se escrevermos ambas as frases na negativa, verificamos uma pequena alteração: “Não te lavas com sabonete?”, “Não lavaste o carro?”). No primeiro caso, o pronome te mudou de posição, significa, portanto, que na afirmativa se escreve com hífen: LAVAS-TE; no segundo caso, não houve qualquer mudança, por isso na afirmativa escreve-se sem hífen: LAVASTE.

O segundo truque consiste em verificar qual é a vogal mais forte (tónica) da palavra. No caso de se usar o hífen, a vogal tónica fica mais longe da terminação da palavra (“lávas-te”), no caso de não se usar hífen, a vogal tónica é a que está mais perto do TE (“laváste”).

São velhos os truques, mas funcionam sempre em caso de dúvida!

S. Duarte

23 fevereiro 2007

Vá lá, inscrevam-se no Torneio!...

O dia da primeira prova qualificativa aproxima-se e nós, professoras organizadoras, sentimos a desilusão do costume perante a falta de inscrições dos alunos do ISEC para o Torneio que tanto trabalho nos dá a preparar...

Este ano, além de andarmos a impingir boletins de inscrição nas aulas (!), vamos aproveitar este espaço para tentar entusiasmar-vos.

Reparem nas vantagens: a inscrição é gratuita; a participação oferece-vos a oportunidade de se divertirem, de aprenderem e de mostrarem o que sabem. Na final, podem levar uma claque de fãs, com cartazes e tudo, para se sentirem umas verdadeiras estrelas nacionais. Se por acaso derem algumas respostas erradas, ninguém vai gozar convosco, porque toda a gente sabe como se sentiria no vosso lugar se isso acontecesse. Pela nossa experiência, o Torneio é um momento de confraternização, de aproximação entre as pessoas e de divertimento e descontracção. Se acertarem nas respostas, existe ainda a probabilidade de ganharem um prémio (de terceiro, segundo ou, quem sabe, primeiro lugar!), que por agora não dizemos qual é, para vos aguçar o apetite.

Quanto a desvantagens, ...aaaah........ . Pois... não nos ocorre nenhuma!


22 fevereiro 2007

"O sentinela" ?!

Vi há pouco tempo um filme com este título e fui ao dicionário verificar se já seria correcto o uso do determinante no masculino. Confirmei que sentinela é um substantivo feminino, por defeito (ou virtude!), e que deve ser usado como tal, mesmo que com ele nos refiramos a uma pessoa do sexo masculino. Exactamente como acontece com (a) criança, (a) testemunha ou (a) vítima.

Quem diz “o sentinela” está, portanto, a cometer um erro de morfologia, assim como quem diz “o ênfase”, “o síndroma”, “uma grama” e por aí fora. Mas, se a frequência destes erros o justificar, os dicionários e gramáticas passarão a contemplar os dois géneros para esses substantivos, como aconteceu com bebé e avestruz, que eram apenas masculinos e passaram a poder ser precedidos de artigos flexionados em ambos os géneros. Porque não há nada mais democrático do que a língua!


21 fevereiro 2007

Mais shampoo... ou champô!



Adaptar ou não adaptar as palavras estrangeiras, de forma a que se adeqúem melhor às regras ortográficas do português... Não chegámos a dar a nossa opinião, quando aflorámos o assunto no dia 16.

Ora, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não se trata apenas de optar por uma ou outra via ("blog" ou "blogue"...) e seguir o mesmo critério para todas as palavras que vão surgindo. Isso seria fácil de mais para funcionar na prática.

A questão que se deve colocar para cada termo é esta: o aportuguesamento representa uma maior clareza, no que respeita à pronúncia? Porque, na esmagadora maioria dos estrangeirismos, os falantes que os "importam" preocupam-se em pronunciar as palavras como o fazem os falantes da língua de origem. Dizemos, por exemplo, "sârfe" (e não "surfe"), "bâicane" (e não "bácôm"). Mas não mudámos a grafia das palavras surf e bacon. Porquê?

No nosso entender, nesses dois casos como em muitos outros, a adaptação não seria conveniente, porque o resultado seriam palavras de forma estranha e que talvez não suscitassem uma leitura inequívoca. Já "futebol" e "maionese", por exemplo, não deixam dúvidas quanto à respectiva pronúncia e têm uma forma perfeitamente aceitável... até parece que nasceram cá!

Porém, no que respeita a decidir se a adaptação é legítima ou não, nem temos de nos preocupar muito, porque os falantes (e "escreventes"!) costumam optar, intuitivamente, pelas formas que são mais simples de entender. E que são agradáveis à vista! Porque se trata também, no fundo, de uma questão de sensibilidade, digamos, à falta de melhor termo: "ecrã" e "batom" parecerão a qualquer pessoa adaptações lógicas, enquanto "imaile" e “tisharte” têm uma forma que, logo à partida, não convenceriam nem conquistariam ninguém.

Os termos estrangeiros levam tempo a integrar-se na língua ao ponto de já nem repararmos que vieram de outra. Mas não vale a pena desesperarmos por causa disso! Como muitos leitores sugeriram, o melhor mesmo é aceitar que se usem, pelo menos temporariamente, duas grafias para a mesma palavra. O tempo encarregar-se-á de apagar uma delas.


19 fevereiro 2007

Peru com direito a suplemento!



Há muito que andava tentada a meter-me com os rapazinhos do talho onde habitualmente compro carne acerca de um assunto que me provocava um certo tormento. Há dias, não resisti. Perguntei: “hoje o peru é mais saboroso por ter um suplemento?”

Ele respondeu, com um ar de grande admiração: “Desculpe?!”

“Refiro-me ao acento!” Retorqui eu, em jeito de esclarecimento: “A palavra peru não tem acento!”

As palavras agudas terminadas em -u (peru, nu, cru, caju) e em -i (javali, colibri) não precisam de acento gráfico. Apenas se acentuam as palavras agudas terminadas em -ó(s) ou -ô(s) (avó, avô), em -é(s) ou -ê(s) (café, você), em -á(s) (está, ananás) e em -em/-ens, se não forem monossílabos (também, parabéns).

Por sua vez, só se acentuam graficamente palavras terminadas em -u(s) ou -i(s) quando estas são graves, precisamente porque, caso contrário, a tendência seria para as lermos como se fossem agudas (júri, ténis, vírus, bónus, etc.).

Esta explicação já não a dei, é claro, senão o rapazinho ter-se-ia recusado a vender-me o peru!

S. Duarte

16 fevereiro 2007

Bom fim-de-semana!

Como o blogue é novo e, felizmente, já tem alguns leitores assíduos, gostaríamos de informá-los de que não tencionamos publicar artigos durante os fins-de-semana.
Aproveitem para descansar os olhos e... até segunda!
E obrigada por estarem desse lado.

Shampoo ou champô?


Assim como há um conjunto de palavras que ainda não encontraram lugar nos dicionários, mas que já são usadas pelos falantes, também há um certo número de termos estrangeiros que já "entraram" na nossa língua, mas cuja ortografia levanta dúvidas, porque ainda não se optou definitivamente por uma de duas possibilidades: mantê-los como se escrevem na língua de origem ou "aportuguesá-los".

O problema é que esse tipo de decisão não se toma de um dia para o outro, nem cabe a um punhado de pessoas. É preciso deixar que a imprensa, a literatura e a comunicação escrita em geral vão dando preferência a uma forma e preterindo as outras. E há um período por vezes bastante longo em que se vê a mesma palavra escrita de várias maneiras diferentes. É aí que muita gente tem dúvidas e quer saber como é que, afinal de contas, deve escrever o(s) termo(s) em questão.

Nesse período, há sempre os "estrangeirados", que preferem a grafia original do vocábulo (écran, bâton, atelier, cartoon, shampoo...) e os "nacionalistas", que não hesitam em adaptar a forma gráfica do termo às regras ortográficas da nossa língua (ecrã, batom, ateliê, cartune, champô...). E depois, para aumentar a confusão, há dicionários que propõem formas híbridas um tanto forçadas, como "croissã" (em vez de cruassã, que seria bem mais lógico).

Mas antes de avançar com a nossa opinião sobre este assunto, gostaríamos de ler a vossa. Acham que devemos manter a grafia original dos termos estrangeiros que usamos, ou adaptá-los a todos, para que apresentem uma forma mais adequada à nossa língua?

15 fevereiro 2007

Adolescentes vs regras de ortografia...?

Ser adolescente é ser rebelde? Muitas vezes.

A rebeldia também passa pelo uso da língua? Sem dúvida.

E que dizer desta nova forma de os adolescentes escreverem (mensagens de telemóvel, de correio electrónico, etc...), que deixa os adultos “certinhos” desesperados, sobretudo quando são professores de Português? (Pexoalé axim, axo k kada vexé maix komplikado perxeber-vos, mas tasse...!)

É tentador cair no chavão: “se continuam a escrever dessa forma, cada vez vão ter piores notas a Português...” Mas nós queremos fugir dos chavões. E queremos dar aqui a oportunidade aos adolescentes (e não só?) de manifestarem a sua opinião sobre este suposto problema. Afinal, estão ou não a ter mais dificuldades em escrever correctamente?

14 fevereiro 2007

Tem tudo a ver, mas não tem nada a haver!

Muita gente confunde as expressões “ter a ver” e “ter a haver”, que têm significados muito diversos.

Quanto à primeira, tem-se generalizado em detrimento de “ter que ver”, que é mais antiga (e considerada mais correcta, até porque o uso da preposição a parece resultar da influência da língua francesa) e significa “estar relacionado”.

A segunda só deve usar-se quando quem “tem a haver” tem para receber ou recuperar algo (dinheiro, em muitos casos). Por exemplo: "tenho a haver cinco euros."

Assim, não devemos dizer nem escrever frases como “isso não tem nada a haver com o assunto”, muito menos “isso não tem nada haver com o assunto”.

Para mais esclarecimentos sobre estas expressões, consultem as diversas respostas que o Ciberdúvidas tem dado a perguntas dos leitores sobre o assunto.

13 fevereiro 2007

Afinal, o que é "XPTO"?

O termo "XPTO", que anda na boca de muita gente (sobretudo gente nova, mas não só),
significa, como quem o usa sabe muito bem, qualquer coisa como "topo de gama", "de última geração", "muito moderno e sofisticado".
Contudo, pertence àquele enorme grupo de palavras e expressões que não se sabe muito bem de onde vieram nem o que significavam originalmente. Empregamo-lo como adjectivo invariável quanto a género e número ("um computador todo XPTO", "uma carrinha XPTO"), mas não sabemos se aquele conjunto de letras constitui uma sigla, ou seja, se cada uma é a inicial de uma palavra, como acontece com as designações dos tipos de motores de carros (TDI - Turbo Diesel Injection), nem mesmo se esse adjectivo existe, enquanto tal, nos dicionários de língua portuguesa...


Não percam os comentários a este artigo, que em muito o enriquecem!

12 fevereiro 2007

As "rúbricas" não existem!

Bom... existem, mas apenas na cabeça de muita gente. Nos dicionários de Língua Portuguesa, aquilo que as pessoas pronunciam como palavra esdrúxula, que escrevem com acento agudo no u e que julgam significar "assinatura", de facto, NÃO EXISTE.
O que existe é a palavra grave rubrica, que tem esse e outros significados.
Não acreditam? Vejam com os vossos próprios olhos! E não se esqueçam de dizer sempre rubrica (mas preparem-se para serem corrigidos por muito boa gente...!)

Bem-vindos!



Fica assim inaugurado este nosso blogue sobre Língua Portuguesa, com o qual pretendemos contribuir para desenvolver em todos - alunos e não só, adultos e não só - o gosto pelo nosso idioma. Sejam bem-vindos e voltem sempre!