Sobre o verbo despoletar, ainda e sempre
Afinal, o verbo despoletar é ou não sinónimo de desencadear?
Há duas respostas possíveis a esta pergunta. E contraditórias, por sinal.
A resposta negativa é defendida pela tradição gramatical, que atribui ao verbo despoletar um único significado – o de ação contrária de espoletar: «tirar a espoleta a, travando ou impedindo o disparo de». A partir deste significado literal, o verbo despoletar terá incorporado um sentido figurado: «anular, travar o desencadeamento de alguma coisa».
Mas o verbo contrário ao verbo espoletar não deveria ser desespoletar?
Sim. Terá sido através um processo fonológico, designado síncope, que a forma primitiva desespoletar terá evoluído para despoletar, tendo ocorrido posteriormente a crase dos dois E. O mesmo fenómeno fonético que terá dado origem ao verbo destabilizar, oriundo de desestabilizar.
Por conseguinte, para a tradição normativa, o uso do verbo despoletar como sinónimo de desencadear é uma corruptela, tratando-se de um caso de hipercorreção, tal como aconteceu com o verbo destrocar e tantos outros.
A resposta afirmativa é corroborada por uma corrente linguística contemporânea que considera o prefixo de, não um prefixo com valor de ação contrária, mas, sim, com um valor de reforço, de intensidade, patente em formas como desinquieto, defumar, entre outros. É denominado de prefixo protético.
Assim, atribuindo o valor de reforço ao prefixo de, esta corrente explica o uso generalizado de despoletar como sinónimo de desencadear, deflagrar. E é este uso generalizado o responsável pela inclusão desse significado em alguns dicionários de referência da atualidade.