23 setembro 2011

Cuidado com as pesquisas :)

O Portal da Língua Portuguesa é uma base de dados de referência e um instrumento tão útil, que não imagino a minha vida sem ele. Não me canso de o recomendar e de louvar o trabalho da equipa que está por trás de tais conteúdos.
O seu vocabulário, porém, fornece apenas informação ortográfica e morfológica, pelo que gostaria de deixar aos leitores deste blogue, em especial aos meus alunos, duas recomendações:

a) tenham em conta que, por aparecerem duas palavras com grafias semelhantes, isso não significa que se trata da MESMA unidade lexical, com o mesmo significado. Por exemplo, o facto de constar ortiga e urtiga não quer dizer que o nome da planta se possa escrever de duas maneiras em português, pois ortiga significa também uma espécie de canhão.
Na verdade, é preferível, ainda hoje, escrever-se urtiga para designar a planta (do latim urtica), ainda que alguns dicionários já registem ortiga como variante ortográfica. O mesmo sucede com gás e gaz, chichi e xixi: estão lá ambas as formas, mas será que o significado é o mesmo? Só um dicionário nos pode esclarecer...


b) A divisão silábica apresentada para cada palavra é ORTOGRÁFICA. Isto significa que, se pretendemos saber como se divide uma palavra em sílabas fónicas, ou fonéticas, aquela base de dados pode não ser a melhor ajuda. Por exemplo, a palavra história aparece assim: his-to-ria. Ora, isto corresponde à divisão que se deve utilizar na translineação. Porém, na última sílaba (-ria) estão na verdade duas sílabas fónicas. Por isso, num manual de língua portuguesa do 1.º ciclo, por exemplo, história pode surgir como exemplo de palavra com 4 sílabas: his-tó-ri-a.
Acresce que a forma como partimos as palavras, quando as pronunciamos, pode variar consoante a velocidade de dicção (podemos dizer pi-a-no ou pia-no). Por outro lado, a translineação tem regras próprias que por vezes vão claramente contra a divisão silábica natural das palavras: por exemplo, partimos a palavra carro como car-ro, porque as consoantes iguais seguidas devem ficar separadas. No entanto, a partição fonética da palavra é diferente: [ka] [Ru] - ou seja, ca-rro.

Cuidado, portanto, com a forma como interpretam os dados disponíveis numa base de dados morfológica como a do Portal da Língua Portuguesa.
Espero que estas advertências sejam úteis e que tornem as vossas pesquisas ainda mais proveitosas!

20 setembro 2011

Ateéis e epimis

Sabem o que são "ateéis"?
Vários A.T.L.

As siglas são assim... achamos que se trata de um funcional conjunto de iniciais, sem direitos gramaticais, porque não são palavras a sério, e elas pregam-nos esta partida: põem na boca das pessoas um plural como deve ser, ou seja, flexionado de acordo com as regras da língua.
Se ATL ("á-tê-el") é uma unidade significante (e de que maneira! O que seria da maior parte dos pais e mães sem eles?!), um conjunto de sons verbais com tónica na penúltima sílaba e que termina em vogal + l - tal como papel, pincel e hotel - o seu plural, pois então, não deve ser A.T.L. (que não é plural nenhum), nem "A.T.L.'s", que soa a erro infantil, como "papeles" e "pinceles", mas "ateéis", como pincéis e hotéis.

E agora acrescento, depois de um prezado leitor me ter chamado a atenção para o facto de parecer que, no parágrafo anterior, eu defendo que o plural de ATL deve ser "ateéis": era a brincar, estava a ser irónica! Na verdade, as siglas não devem ser usadas no plural: o plural de ATL é ATL (repare-se que não há diferença nas iniciais entre Atelier/Ateliê de Tempos Livres e Ateliers/Ateliês de Tempos Livres).


E uma vez que acrescentei este aviso, posso agora perguntar: saben o que são "epimis"?
Essa ouvi ontem, com estes ouvidos que a terra (não) há-de comer: «dois epimis com bongos, nâguetes e cenoura», confirmou o funcionário da caixa de pagamento, depois de ouvir o pedido.
Já estão a ver o que são "epimis"?

Claro! É o plural de Happy Meal :)

18 setembro 2011

Aselhas e azelhas

Todos temos o direito de ser aselhas, de dizer disparates, de falar sem pensar, de cometer erros, de não conseguir fixar o que aprendemos e de esquecer o que tínhamos aprendido. É o direito de sermos humanos, afinal.
E quando teimamos no erro, quando nos recusamos a aprender, quando temos orgulho em sermos ignorantes... será esse também um direito nosso?




Claro que sim. Com uma diferença, que bem se vê.
É que, se assim formos, seremos mais aselhas do que os outros:
eternos "azelhas", teimando no z...

12 setembro 2011

Guarda-chuvas, guarda-redes e guardas-mores... porquê?

O plural dos nomes compostos cujo primeiro elemento é a palavra “guarda” não se forma sempre da mesma maneira, ao contrário do que poderíamos pensar.

Se “guarda” é verbo, este termo não muda, pelo que o plural afecta apenas o segundo elemento do composto (e assim temos guarda-chuva/guarda-chuvas, guarda-cama/guarda-camas, guarda-roupa/guarda-roupas).

Porém, a palavra guarda pode ser um nome (ou substantivo). Isto significa que ela poderá ser flexionada no plural. Isto acontece nos compostos cujo segundo elemento é um adjectivo (que está precisamente a qualificar o nome que o precede), como guarda-nocturno, guarda-mor e guarda-florestal, que passam a guardas-nocturnos, guardas-mores e guardas-florestais.

No entanto, estes compostos começados por “guarda” costumam ser invariáveis, porque o mais frequente é a segunda palavra estar já no plural, mesmo quando o nome está no singular, ou seja, quando designa apenas uma pessoa ou coisa. É o caso de guarda-redes, guarda-costas, guarda-jóias, etc.

Repare-se na subtil diferença entre guarda-nocturno e guarda-redes. Em ambos os casos, diríamos, a palavra guarda é nome e não verbo, porque designa uma pessoa (o “guarda”). No entanto, o guarda-nocturno vem seguido do tal adjectivo, que comprova a sua qualidade de nome, e por isso o plural é guardas-nocturnos. O guarda-redes não é, na verdade, um “guarda”, mas antes aquele (jogador) que protege, ou guarda, as redes – está portanto subjacente, na estrutura do composto, a acção de guardar as redes: pelo que temos então o verbo, e não o nome. Assim se explica que o plural não seja "guardas-redes" (porque se trata daqueles que guardam as redes, e não dos "guardas de redes"). Foi por isso que chamei a atenção dos leitores para o facto de estar um adjectivo (e não um nome), a seguir à palavra guarda, quando esta é um nome: é apenas nesses casos que ela pode ir para o plural.


09 setembro 2011

Rular?!!

Decididamente, a língua muda mais depressa do que nós imaginamos. Agora "rular" significa o mesmo que o verbo inglês to rule, na acepção em que é usado em linguagem familiar, ou seja, no sentido em que se aplica a algo popular, que se impõe sobre o resto, que comanda o gosto e a moda.




Assim, na capa da edição portuguesa de Diary of a Wimpy Kid, no lugar de My books rule!, eu, "cota" como sou, preferiria ler algo como "os meus livros são um sucesso" ou "os meus livros são demais!" (fazendo já aqui uma concessão ao "demais" que se tem vulgarizado como adjectivo na linguagem familiar, mas que pelo menos é português).
Para mim, traduzir a frase por "os meus livros rulam!" é tão absurdo como escrever "os meus bucos são demais!" (Sim, os meus "bucos". Se rule é "rular", porque é que books não hão-de ser "bucos"?!). Mas o tradutor está, certamente, atento àquilo que o público-alvo do livro diria, de facto, para exprimir a ideia. E, ao que parece, a expressão "qualquer coisa rula" já se vai vulgarizando...

Custa, claro, a quem tem amor à nossa língua. Mas se pensarmos bem, é o que aconteceu com muitas palavras que hoje consideramos "nossas", como lanche, queque, fiasco, charme e tantas outras. É preciso ver que, em muitos casos deste, o que nos desagrada mais é a novidade estranha, a mudança em si, talvez por receio de não a sabermos acompanhar... Mas a mim irrita-me sobretudo o servilismo tosco do empréstimo desnecessário. Daqui a uns anos ainda caímos no absurdo de ouvir qualquer coisa como "os kides cules é que rulam na secule"...

08 setembro 2011

Isto promete...

A minha filha estava a resolver uma ficha de exercícios de língua portuguesa, do 2.º ano do 1.º ciclo do ensino básico. A certa altura, pedia-se-lhe que conjugasse o verbo comer nos tempos certos:

A cabra amanhã _________ muita erva.

Ela ia transcrever, simplesmente, o verbo comer, tal e qual, no infinitivo. Mas depois percebeu que a frase não faria sentido. Eu chamei a sua atenção para o facto de ter de conjugar o verbo no tempo futuro. E ela, baralhada: «comera? Mas "amanhã a cabra comera" não faz sentido!» Eu corrigi: «comerá. O futuro é comerá
Resposta dela: «Mas eu não falo chinês! Nem como os reis falam...»

06 setembro 2011

Circuncisados ou circuncidados?



Qual das seguintes frases está correcta?




a) Os homens da tribos são, ainda hoje, circuncisados.


b) Os homens da tribo são, ainda hoje, circuncidados.