Desde criança que sempre ouvi dizer suspense com um u assobiado afectadamente, a atirar para o ditongo - [ju] -, um s bem sopradinho por entre os dentes e a letra e transformada em "ã", para tornar bem claro que era uma palavra francesa.
Há muitos anos, contudo, também ouvi alguém dizer (quem teria sido essa alma iluminada?) que andava tudo enganado, porque a palavra suspense era de origem inglesa e, como tal, a pronúncia afrancesada não fazia qualquer sentido e deveria ser prontamente substituida, claro está, por um sotaque muito British, em que o u afinal se tornava um "a".
Os falantes de português pareceram-me então divididos em dois grupos: o dos que faziam uma boquinha pequena para sussurrar o "siuspanse" franciú e o dos que a abriam corajosamente para vocalizar um "saspenssss" à bife. E era preciso decidir qual o lado a escolher, para poder usar aquele estrangeirismo. Porque, tenho de admitir, havia ocasiões em que me parecia que ele era necessário, por mais que me esforçasse por substituí-lo por palavras mais vernáculas, como "suspensão" ou "expectativa-angustiante-mas-que-ao-mesmo-tempo-dá-um-certo-gozo-relativamente-ao-desenrolar-dos-acontecimentos-sobretudo-nas-narrativas-literárias,-televisivas-dramáticas-ou-cinematográficas".
Um dia, resolvi consultar o Dicionário Etimológico de José Pedro Machado e verifiquei, sem grande surpresa, que "suspense" não constava do rol de palavras sobre as quais se forneciam preciosos dados relativos à sua introdução na nossa língua. Mas o Houaiss confirma que se trata de um empréstimo do inglês, que por sua vez foi importado do francês, que por sua vez deriva, claro está, do latim.
Contudo, a origem não é o que mais importa, no fim de contas. Se estivéssemos à espera de saber de que língua vêm todos os estrangeirismos que utilizamos para os podermos pronunciar correctamente, teríamos de suspender o discurso a todo o momento para consultar fontes eruditas, por exemplo antes de dizer pijama, iate ou iogurte.
E o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea aí está para demonstrar que a contenda entre os sotaques francês e inglês para pronunciar "suspense" não se resolve por via erudita: o que conta é a forma como se convencionou dizer a palavra entre nós, ou seja, a pronúncia que nele se recomenda é a que foi consagrada pelo uso e que (lamentavelmente ou não, depende do ponto de vista), acaba por não ser fiel a nenhuma das duas: "suspanse".
Para mim, o "suspanse" perdeu a graça. Não é carne nem peixe, não aquece nem arrefece. Com a desvantagem de criar uma relação imprevisível entre o "a" sonoro e o "e" escrito, que dá azo a erros ortográficos.
Mas pelo menos já podemos pronunciar todos a palavra da mesma maneira, sem receio de que alguém nos venha dizer que estamos enganados. Valham-nos os dicionários com chave fonética!