No primeiro comentário ao texto anterior, um(a) leitor(a) sugere que determinada estrutura gramatical está incorrecta «porque soa mal». Esta é uma explicação simples e aparentemente eficaz, usada sobretudo por todos os que não dominam (nem têm de dominar!) a terminologia necessária para se aventurarem em explicações técnicas. Isto não é, portanto, uma crítica, nem faria sentido que o fosse. Também os linguistas, aliás, são apanhados a tentar decidir como se deve dizer uma expressão de acordo com o critério da boa ou má "sonoridade".
Ao longo da vida, mas de forma mais notória durante os anos da infância em que adquirimos o idioma materno, vamos seleccionando e guardando na memória as combinações e flexões que "soam bem" (porque são as que ouvimos mais) e descartando aquelas que, embora pudéssemos ter usado inicialmente, se revelam inadequadas, porque não encontram eco e por vezes são até apontadas como erradas "porque soam mal". E assim as crianças deixam de dizer "fazi" e "escrevido" para passarem a dizer fiz e escrito, esquecem-se dos "balãos" e das "cavalas" e registam balões e éguas.
Porém... a língua reserva-nos muitas surpresas, mesmo quando já somos adultos e julgamos saber tudo o que é preciso para falar correctamente. Se estivermos atentos e abertos, a revelação, para alguns interessante, para outros incómoda, é inevitável: nem tudo o que soa bem porque se ouve muito (pelo menos em certos meios) é necessariamente correcto. E vão-se acumulando os exemplos...
Ora, façam a experiência de tentar decidir o que ouvem mais e o que está certo, das seguintes possibilidades:
"Pesava três quilos e duzentos" ou "pesava três quilos e duzentas"?
"Ainda bem que eu intervim a tempo" ou "ainda bem que eu intervi a tempo"?
"Era bom que ela se entretesse" ou "era bom que ela se entretivesse"?
"Irei quando reaver o dinheiro" ou "irei quando reouver o dinheiro"?
"Foi condenado por ter matado o irmão" ou "foi condenado por ter morto o irmão"?
"Far-te-ia muita diferença" ou "faria-te muita diferença"?
E por aí fora...