Quem foi o primeiro "doutor da mula ruça"?
Os dicionários esclarecem que a
expressão “doutor da mula ruça” usada em registo familiar e em tom
depreciativo, se aplica a «indivíduos que possuem um título ou um diploma, mas
que não têm os conhecimentos de que se dizem detentores». Por extensão, a
expressão “doutor da mula ruça” aplica-se vulgarmente ao chamado charlatão, aquele que tenta enganar os
outros, fazendo-se passar por algo que afinal não é, neste caso, fingindo ser
muito erudito.
No entanto, a história que se conta
sobre o 1.º doutor da mula ruça aponta para um significado da expressão um
pouco diferente, quase oposto, que é o do homem que exerce a prática (e tem os
conhecimentos) mas que não tem o diploma que o habilitaria oficialmente para
isso.
Então quem foi este doutor da mula ruça? De acordo com
vários autores, houve um homem no século XVI em Évora, de nome António Lopes, que
era conhecido como o “físico da mula ruça”, e exercia medicina sem possuir o
grau de doutor. Acontece que este
senhor tinha estudado em Alcalá de Henares, em Espanha, perto de Madrid. Mas
uns dizem que por falta de dinheiro não pôde pagar o diploma, e portanto acabou
por exercer sem ele; outros contam que obteve o grau de bacharel, mas havia
certas reservas em relação à sua prática, porque não era doutor pela
Universidade de Lisboa.
Seja como for, o que acontece é que ele terá pedido ao rei D. João III, uma
espécie de “equivalência”, como agora se diria (de bacharel, o grau que teria adquirido
em Espanha, para doutor) ou, se quisermos, uma “creditação de competências”,
como agora também se faz, ao abrigo do Processo de Bolonha, se considerarmos
que ele não chegou a obter o diploma em Espanha, ainda que tivesse frequentado
a Universidade. O que parece certo é que o Rei, a pedido deste António Lopes,
solicitou ao físico-mor do reino, Diogo Lopes, que o examinasse para se avaliar
a sua competência para exercer medicina. O resultado da avaliação foi
positivo e há um registo no Livro de Chancelaria de D. João III que declara
precisamente isso: «que António Lopes, físico da mula
ruça, morador em esta cidade me disse
por sua petição que ele estudou nove ou dez anos no estudo de Alcalá» (excerto da carta régia de 23 de Maio de 1534).
Portanto, fica a ideia de que este homem
exerceu a profissão antes de obter oficialmente o grau academico, que solicitou
esse grau por carta régia e não pela via normal, que seria um diploma da
universidade, e que era conhecido como o “doutor da mula ruça”, talvez por se
deslocar habitualmente numa mula de cor parda ou acinzentada. Não temos a
certeza. Mas pelos vistos a sua actividade era contestada pelo facto de ele a
exercer sem a mesma legitimidade que os outro físicos, o que o levou a sentir a
necessidade de requerer o reconhecimento da sua competência. Algo que parece
hoje novidade, mas que afinal não é...
4 comentários :
Gostaria que me tirassem uma dúvida:
Escrevi um livro e gostaria de ter como título a seguinte frase :
Sobre a vida, Sob a Água ...O livro fala de amor ( Sobre a vida ) e do uso indiscriminado da água ( Sob a água)
Está correto ?
Meu e-mail é alecio_faria@yahoo.com.br
Não entendi a que se refere quanto ao uso indiscriminado da água, mas o título parece-me perfeitamente adequado e sugestivo!
Um leitor chamou a atenção para a gralha que o texto tinha ("muça" em vez de "ruça"), mas por lapso apaguei o seu comentário, que agradeço.
Minha vo usava muito essa expressão.
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