O correcto que soa mal
No primeiro comentário ao texto anterior, um(a) leitor(a) sugere que determinada estrutura gramatical está incorrecta «porque soa mal». Esta é uma explicação simples e aparentemente eficaz, usada sobretudo por todos os que não dominam (nem têm de dominar!) a terminologia necessária para se aventurarem em explicações técnicas. Isto não é, portanto, uma crítica, nem faria sentido que o fosse. Também os linguistas, aliás, são apanhados a tentar decidir como se deve dizer uma expressão de acordo com o critério da boa ou má "sonoridade".
Ao longo da vida, mas de forma mais notória durante os anos da infância em que adquirimos o idioma materno, vamos seleccionando e guardando na memória as combinações e flexões que "soam bem" (porque são as que ouvimos mais) e descartando aquelas que, embora pudéssemos ter usado inicialmente, se revelam inadequadas, porque não encontram eco e por vezes são até apontadas como erradas "porque soam mal". E assim as crianças deixam de dizer "fazi" e "escrevido" para passarem a dizer fiz e escrito, esquecem-se dos "balãos" e das "cavalas" e registam balões e éguas.
Porém... a língua reserva-nos muitas surpresas, mesmo quando já somos adultos e julgamos saber tudo o que é preciso para falar correctamente. Se estivermos atentos e abertos, a revelação, para alguns interessante, para outros incómoda, é inevitável: nem tudo o que soa bem porque se ouve muito (pelo menos em certos meios) é necessariamente correcto. E vão-se acumulando os exemplos...
Ora, façam a experiência de tentar decidir o que ouvem mais e o que está certo, das seguintes possibilidades:
"Pesava três quilos e duzentos" ou "pesava três quilos e duzentas"?
"Ainda bem que eu intervim a tempo" ou "ainda bem que eu intervi a tempo"?
"Era bom que ela se entretesse" ou "era bom que ela se entretivesse"?
"Irei quando reaver o dinheiro" ou "irei quando reouver o dinheiro"?
"Foi condenado por ter matado o irmão" ou "foi condenado por ter morto o irmão"?
"Far-te-ia muita diferença" ou "faria-te muita diferença"?
E por aí fora...
7 comentários :
Vou arriscar...
"pesava três quilos e duzentos"
"ainda bem que eu intervim a tempo"
"era bom que ela se entretivesse"
"irei quando reouver o dinheiro"
"foi condenado por ter matado o irmão"
"far-te-ia muita diferença"
Não sejam muito severos comigo :)
Tudo certo, Mário! Para quê o receio?! Resta saber se escolheu o que lhe soava pior ou melhor...
Tenho receio porque a língua portuguesa nunca foi o meu forte.
A frase do "far-te-ia" consultei no dicionário. Respondi correctamente às outras graças ao que tenho aprendido neste blog. Já há algum tempo que deixei de me guiar pelo que soa melhor porque, na minha opinião, somos muitos os que falamos incorrectamente.
Continuem a contribuir para alterar isso.
É correcto dizer "fazer-te-ia"? Obrigada.
"Pesava três quilos e duzentas não estaria certo? Pois de acordo com a concordância, duzentos deveria estar de acordo com "gramas", que é substantivo feminino. E far-te-ia está correto? É uma mesóclise, não se poderia se encaixar no começo de uma frase. Próclises são mais comuns...
Caro anónimo, grama (unidade de medida de massa) é um nome masculino. Quanto a far-te-ia, só admite a mesóclise, naquele caso, por se tratar de uma forma verbal no condicional. Grata pela sua participação!
Olá, tudo bem? Quero fazer uma pergunta um pouco diferente. Vi que respondeu a um comentário dizendo: "Para quê o receio?!" e fiquei em dúvida em relação à acentuação utilizada pela senhora. Por que esse "para quê" é acentuado? Não deveríamos usar a mesma regra dos "porquês"? Não deveria ser "Para que o receio?" Desde já, agradeço a atenção.
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