25 junho 2021

"Porque" explicativo e "porque" causal (e diferença entre oração coordenada e subordinada)



Alguma vez se perguntaram qual a diferença entre porque explicativo e porque causal?

E já se questionaram sobre o motivo por que uma oração explicativa é coordenada e uma causal é subordinada?

Caso tenham respondido "sim" a ambas as perguntas, espero conseguir dissipar as vossas dúvidas com esta explicação!

Porque explicativo

Uma explicação expressa um esclarecimento,  elucida. Assim, a conjunção porque é explicativa na seguinte frase:

Ela sente-se feliz, porque tem um sorriso nos lábios.

(Após a palavra porque, explico em que sinal me baseei para concluir que ela se sente feliz).

Estas orações ("Ela sente-se feliz" e "tem um sorriso nos lábios") são coordenadas, isto é, cada uma delas tem um sentido acabado e nenhuma depende da outra. Por outras palavras: a) eu vejo que ela está feliz; b) eu vejo que ela tem um sorriso nos lábios. 

Seria absurdo dizer que a segunda oração depende da primeira para fazer sentido, pois o facto de ela ter um sorriso nos lábios não pode ser a "causa" da sua felicidade.

Porque causal

Uma causa exprime a origem, o motivo, a razão pela qual algo acontece. Então, a conjunção porque é causal nos contextos em que introduz o motivo pelo qual sucede a ação expressa na oração anterior. Por exemplo na frase seguinte:

Ela sente-se feliz, porque está de férias.

(Estar de férias é a causa da felicidade dela).

Estas orações estabelecem entre si uma relação diferente da que vimos atrás, pois o facto de estar de férias é determinante para ela se sentir feliz. Portanto, a segunda oração é subordinada,  ou seja, completa o sentido da primeira. Isto pode ser comprovado através de um teste que consiste em trocar a conjunção porque pela palavra por:

Ela está feliz por estar de férias.

Neste caso, percebemos facilmente que a oração infinitiva "estar de férias" não poderia, por si só, constituir um frase aceitável, pois depende da anterior para fazer sentido.

O engraçado é que existem frases em que porque tanto pode ser explicativo como causal, dependendo da interpretação de quem ouve/lê, ou (talvez melhor) do sentido que realmente lhe quis dar quem escreveu ou proferiu essas palavras. Ora reparem:

a) Ela está preocupada, porque tem comido muito.

(Valor explicativo: eu concluo que ela está preocupada, porque ela tende a comer muito sempre que alguma coisa a preocupa).

b) Ela está preocupada, porque tem comido muito.

(Valor causal: comer muito é o motivo de preocupação dela, pois sabe que vai engordar e prejudicar a sua saúde).

Reparem como apenas no segundo caso temos uma relação de dependência da segunda oração em relação à primeira: "Ela está preocupada por estar a comer muito". Esta formulação apenas permite a interpretação causal, ajudando-nos a compreender que se trata, garantidamente, de um caso de subordinação.

Espero ter ajudado quem confunda porque explicativo com porque causal e também quem tenha dificuldade em entender a diferença entre conjunções coordenadas e conjunções subordinadas. 😃


6 comentários :

António Ladrilhador disse...

A diferença entre oração coordenada e subordinada é muito ténue:
- no primeiro caso, dizer que 'ela está feliz porque tem um sorriso nos lábios' equivale a dizer que 'sei que ela está feliz porque tem um sorriso nos lábios', o que faz com que a segunda oração - 'tem um sorriso nos lábios - seja a causa da primeira, que, assim, dela depende.
Por outro lado, quer 'ela tem um sorriso nos lábios', quer 'ela está feliz' são orações com um sentido acabado, e podem existir de forma independente.
Mas entendo o seu ponto de vista, e agradeço-lhe a chamada de atenção para o tema.
Em troca, proponho-lhe que perca alguns minutos com o texto sobre o 'por que' interrogativo que afixei no Mosaicos em Português em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/06/por-que-nao-porque-nao_79.html. Independentemente de concordar ou não com quanto ali digo, poderá proporcionar-lhe, também, alguns momentos de reflexão.
Outros temas da língua portuguesa estão disponíveis no respetivo separador, como as polémicas sobre os particípios passados, as formas reflexas ou apassivantes do 'se', a diferença entre sexo e género e, provavelmente no próximo Sábado ou no seguinte, um artigo sobre o plural de 'dezena de milhar'.
Renovo os meus agradecimentos, e desejo-lhe uma boa semana.

Anónimo disse...

Bem sutil este assunto posto que o "porque" explicativo e o "porque" causal pode nos induzir a classificar um período como causal. Sou natural do Brasil, contudo estudo gramática ortodoxa há quase 6 meses e percebo que é importante investigar mais sobre os valores semânticos. Recentemente vi um professor dizer que o "porque" explicativo tende a aparecer em períodos hipotéticos ou imperativos.

Analisando a oração, "Ela sente-se feliz, porque tem um sorriso nos lábios.", aprendi que se houver a vírgula, o porque ali será explicativo, contudo isso não me satisfaz, pois são meros truques para responder questões de certames. O foco não é esse. Voltando ao cerne do assunto, poderíamos classificar o "porque" como causal ou como explicativo. Como leigo que sou, na primeira leitura já fiquei me perguntando:

Por que ela se sente feliz? Porque ela tem um sorriso nos lábios. Sendo aquele "Por que" um advérbio interrogativo de causa, a resposta só poderia ser a causa. Então, claramente há uma relação de causa. Entretanto, podemos enxergar a oração em pauta com outro valor semântico: o hipotético. Ela sente-se feliz. (eu a enxergo deste modo), mas isso é uma hipótese devido ao sorriso que ela tem nos lábios. Esse olhar para mim também faz sentido!
O que você acha?

S. Leite disse...

Caro Anónimo, desconheço essa utilização da vírgula para marcar a diferença entre a oração explicativa e a causal. Na minha experiência, a vírgula deve ser usada em ambos os casos. No meu entender, a forma de distinguir a oração subordinada causal da coordenada explicativa que resulta melhor é a substituição da conjunção pela preposição "por" seguida do verbo no infinitivo. Apenas no caso da subordinada causal isso faz sentido:

*ELa está feliz POR ter um sorriso nos lábios. (Frase ilógica, pois o motivo da felicidade dela não é o facto de ter um sorriso nos lábios.)

Ela está feliz POR estar de férias. (Frase lógica, pois o motivo da felicidade dela é, realmente, o facto de estar de férias.)

Anónimo disse...

A diferença entre elas é, de facto, tênue, pelo que requer muita atenção na sua análise. Não será que o uso ou não da vírgula antes deles deveria ser um outro motivo para os diferenciar?

S. Leite disse...

Caro anónimo, tanto quanto sei, a vírgula deve ser usada em ambos os casos.

Denise Magalhães disse...

Olá, de fato há situações em que a distinção entre a causa e a explicação é praticamente imperceptível, motivo esse de muitas dúvidas entre os alunos e professores. Também já li sobre o emprego da vírgula para distinguir a explicativa da causal, se não me engano no livro Descobrindo a Gramática de Gilio Giacomozzi, Gildete Valério e Cláudia Moninari Reda, mas não encontrei nada semelhante em outros autores. É bom lembrar que em português o contexto tem peso bastante significativo.