04 maio 2010

O pretérito mais-que-perfeito simples: uma espécie em extinção?

Reparo que os meus alunos têm cada vez mais dificuldades em reconhecer e utilizar as formas dos verbos no pretérito mais-que-perfeito simples, muito provavelmente porque se tem preferido utilizar as formas compostas, ficando as simples reservadas para um registo formal cada vez menos usado, mesmo na escrita.

Parece-me que, hoje, só quem lê textos literários escritos há mais de 50 anos tem a oportunidade de ir assimilando essas flexões verbais, de modo a poder reconhecê-las e usá-las com naturalidade.

A que é que me refiro? Por exemplo, a palavras como dissera e frequentara (formas simples do pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo), vulgarmente conhecidas como "tinha dito" e "tinha frequentado" (formas compostas).
Como resultado da queda em desuso deste tempo verbal na versão simples, alguns dos meus alunos (do ensino superior) têm sérias dificuldades em apresentar-me formas de verbos irregulares, mas frequentes, como dar, fazer e pôr no mais-que-perfeito do indicativo. Mesmo sabendo de antemão qual é a desinência que se usa, -ra, cometem erros de abrir a boca, como "darara", "fazera", e "pora".
Será importante salvar o pretérito mais-que-perfeito do indicativo simples da extinção, promovendo o seu uso e a sua aprendizagem explícita na escola?
Para muitos, provavelmente não. Para mim sim, quanto mais não seja para melhor se poder "decifrar" o que escreveram os nossos escritores de ontem. Ou será que qualquer dia se vai achar natural "traduzir" para o português de hoje os contos de Miguel Torga, por exemplo, para que os adolescentes os possam ler e perceber?

Talvez me digam que não vale a pena ler os contos de Miguel Torga...

11 comentários :

světluška disse...

Eu também me preocupo com a extinção do pretérito mais-que-perfeito simples e até me propus a usá-lo na fala um tempo atrás, mas infelizmente sempre me esqueço.

Anónimo disse...

Concordando com tudo o que o professor falou, confirmo que, cada vez mais, percebo o afastamento do emprego do bom uso dos verbos.Entretando, gostaria de clarear, embora já tenha certeza, sobre o uso da afirmação do professor, quando ele fala !PARA MELHOR PODER DECIFRAR! caracteriza outro modo desconhecido da boa aplicação das regras de português. Quando falamos de MELHOR ENTENDER, estamos usando o melhor como BOM, quando deveríamos usá-lo como sinônimo de bem. Como poderíamos utilizar mais bom? Então o melhor, seria utilizar o mais bem.

RBR disse...

Embora não me seduza rebater textos apócrifos, posto que são indignos de qualquer consideração, tenho de discordar do colega ANÔNIMO (que postou em 15.09.2010). Me corrijam se eu estiver equivocado. Na realidade o epíteto "melhor" também pode ser utilizado como advérbio, o que, no caso, terá semântica idêntica à da proposição "mais bem".

Anónimo disse...

Quando uso, por exemplo, "bem-aventurado", para fazer o grau comparativo de superioridade do adjetivo, utilizo "melhor-aventurado". Preciso, confesso, rever a questão do hífen, com toda a reformulação ortográfica vigente. Mas também deixo registrado que faço, sim, seleções de caráter linguístico. É necessário, às nossas opções linguísticas, que saibamos fazê-las e defendê-las, uma vez que delas nos valemos para comunicarmo-nos!

Apesar de ser obrigado a postar como anônimo, porque há o login do Google, do qual não faço uso aqui, deixo minha assinatura: Fábio.

Alberto (Natal, RN) disse...

O pior é que se a pessoa emprega o mais-que-perfeito na linguagem coloquial, isso chama a atenção do interlocutor. A tendência deste é ver o outro como uma pessoa esnobe, que gosta de chamar a atenção.

S. Leite disse...

Concordo, Alberto! Porém, no que toca à escrita penso que consiste apenas num sinal distintivo do registo formal, sendo particularmente adequado em certos tipos de texto. Ninguém acusa os escritores de seres esnobes quando usam um registo tipicamente literário, certo? Ainda que a noção de "tipicamente literário" seja discutível, claro!

Alberto (Natal, RN) disse...

Sim, S. Leite. Eu costumo fazer uso do mais-que-perfeito simples na escrita. Na linguagem oral, raramente.

catharina disse...

Sou professora e estava buscando um apoio para o arcaísmo do Pretérito mais-que-perfeito. Gostei muito de suas proposições e repassei o endereço do blog para os alunos. Obrigada pelas orientações que vieram confirmar meus conceitos já estabelecidos. Catharina

catharina disse...

Sou professora e estava buscando um apoio para o arcaísmo do Pretérito mais-que-perfeito. Gostei muito de suas proposições e repassei o endereço do blog para os alunos. Obrigada pelas orientações que vieram confirmar meus conceitos já estabelecidos. Catharina

Anónimo disse...

O "Pretérito mais que perfeito" não está em desuso e também não é arcaico.
Autores como Oliver Bowden - no seu best-seller Assassins Creed - A crizada Secreta - de 2013, por exemplo: na página 127 utiliza com maestria o "Pretérito mais que perfeito". Autores como Jorge R. R. Matin, Stephenie Meyer (Crepusculo) também o utilizam. Rene Rodrigues

S. Leite disse...

Rene Rodrigues, estava, naturalmente, a referir-me a textos escritos em Português, não a traduções... nunca diria que os anglo-saxónicos deixaram de usar o past perfect (que por acaso não tem forma simples, apenas composta)!