O novo trabalho de Isilda Paulo, levado ao palco pelo Grupo Artes Cénicas, em cena no Auditório da Associação de Moradores do Bairro 18 de Maio, na Outurela (Carnaxide), é um "ensaio" em duas partes, que nos convida desde logo a tomar uma posição crítica por meio do título, que é como um imperativo intelectual: "ensaio sobre", ou seja, "reflexão para reflectir". Que é como quem diz: "isto é o que eu pensei, e vocês, o que pensam?"
Unindo Brecht a Pirandello, esta peça revela-se bem mais original do que à partida poderia parecer. A vida e o teatro misturam-se num arriscado movimento de fusão, que conduz os actores a um empolgante clímax do qual nem o público sai incólume, pois não há ninguém que não esteja envolvido neste drama surpreendente, em que afinal se encena muito mais do que o medo, embora este seja o leit-motiv explicitamente eleito.
O medo, sabemo-lo, pode ter inúmeras facetas e estar relacionado com tudo o que fazemos e tudo o que somos. Não há ninguém no mundo que nunca tenha sentido medo.
Podemos ter medo de alguém em particular ou de tudo e todos os que nos rodeiam, como na Alemanha de Hitler, podemos ter medo de assumir um erro cometido e de sofrer as consequências, como os amantes adúlteros, podemos ter medo de nós próprios e do que poderemos ser capazes de fazer, em situação de crise. O medo compõe uma paleta de infinitas tonalidades que nos colora permanentemente a alma, desde os tons mais suaves, do medo que os outros sentem da nossa falta de medo, passando pelos tons vivos e fortes do medo da rejeição, de não sermos amados, até aos mais sombrios e carregados, do medo autodestrutivo, aniquilador. Porque o medo é a primeira e mais íntima forma de violência, aquela da qual somos vítimas antes de qualquer outra. Tolhe-nos a racionalidade, vira-nos contra os outros e contra nós próprios. De nada nos serve, pois a inocência torna-se ainda mais frágil, minada pela certeza antecipada da vitimação; e a culpa denuncia-se, enquanto agoniza na incerteza na sua descoberta. O medo é a nossa grande fraqueza, o nosso defeito de fabrico. E a força que possamos reunir contra ele, longe de o poder anular, será a força de o compreender.
Como é hábito, os actores percebem-se fortemente empenhados, este é um trabalho de amadores profissionais. Mas entre todos, destaco Jorge Aurélio, mais uma vez. Provavelmente, por ser o único que conheço (e mal) fora do palco. Ainda assim, tento explicar o que me entusiasma no seu desempenho: a dicção impecável, a postura séria, empenhada, que me faz sorrir, mesmo quando ele é dramático. A sua arrebatada e arrebatadora forma de ser em palco. Sem excessos, sem falhas, sem fraquezas. Sóbrio, elegante, pura e simplesmente genial. Todo o elenco, porém, está de parabéns!
Não desperdicem a oportunidade de ver esta peça, por apenas 5 euros, durante este mês, em Carnaxide!