Ainda na ordem do dia, o "novo" Acordo Ortográfico atrapalha a vida a muita gente, embora se possa pensar que deixarmos de escrever algumas consoantes que não se pronunciam pode simplificar a tarefa de escrever em português.
Atrapalha, porque as dúvidas surgem a todo o momento, sobretudo quando é necessário escrever palavras compostas ou formadas por prefixação (cocolaborador ou co-colaborador?), ou quando nos preparamos para usar maiúsculas (norte ou Norte?) mas também quando não temos a certeza de se pronunciar, na "norma culta", determinada consoante (Egipto ou Egito?). E atrapalha muitas vezes os professores e os pais que lidam com crianças no ensino básico e cujos manuais e textos de apoio estão escritos de acordo com as duas grafias: a de 1945 e a de 1990. Com efeito, não é fácil para eles, nem para as crianças, gerir com os melhores resultados, ao nível da produção, as leituras "mistas" que se vão fazendo e que vão baralhando as referências ortográficas de cada um.
A fase de transição é realmente muito ingrata. Pela minha parte, por mais que deteste as novas regras que me obrigam a "descaracterizar" as palavras (ação, ator, redação e ótimo parecem-me tão feias...), sei que me vou habituar e que daqui a uns tempos já nem vou pensar mais nisso. Por outro lado, ao lidar quase diariamente com alunos recém-chegados ao ensino superior, estou consciente de que as dificuldades que muitos adultos revelam na escrita são bem mais abrangentes e graves do que as hesitações provocadas pela novas regras ortográficas. Custa-lhes tanto expor ideias (quando as têm) por escrito, é-lhes tão difícil distinguir passa-se de passasse, ficam tão atrapalhados quando lhes peço que utilizem um registo cuidado, que o A.O. se torna um pormenor insignificante dentro desse grande problema que é a sua dificuldade de expressão oral e escrita.
Devo ressalvar o facto de não serem todos - há sempre os alunos que nos surpreendem pela positiva, que nos ensinam, que nos calam a boca. Ainda hoje um aluno espanhol me ensinou uma palavra em português. Mas os que revelam dificuldades (e que o admitem, até, com tristeza e resignação) são cada vez mais, o que de resto não deve ser novidade para ninguém. Isto só prova que o meu trabalho é importante, ainda bem. Mas às vezes penso: antes não fosse...