A palavra
personagem tem no étimo o mesmo vocábulo latino que a palavra
pessoa:
persona. Acontece, porém, que ao contrário de
pessoa, que é do género feminino e foi herdada do latim, o termo personagem (
personne + sufixo
-age) terá entrado na língua portuguesa por
via do francês. Ora, em francês, ao contrário do que acontece em português, muitos nomes acabados em
-age, como
massage,
paysage,
fromage, voyage,
heritage, são masculinos.
Assim se justificará que em português o termo personagem possa, ainda hoje, assumir este género – sobretudo quando designa alguém (real) que se destaca pelas suas qualidades ou pela sua posição social – embora possa também ser do género feminino, à semelhança de pessoa, e tal como outros nomes terminados em -agem, sejam eles provindos do francês (massagem, viagem, passagem, garagem, “chaufagem”* – esta é a brincar!), sejam derivações por sufixação, como contagem, escovagem, plumagem e raspagem. Assim, as personagens das narrativas de ficção podem ser homens ou mulheres, exactamente como as pessoas (pessoa, personagem, criança, vítima, etc. são chamados nomes femininos sobrecomuns), não sendo necessário falar "do personagem" de um romance apenas por ser do sexo masculino.
Deste modo, e ainda que alguns de nós tenham ouvido os professores dizerem que os nomes terminados em -agem são todos femininos em português, pelo menos este (personagem) será um caso excepcional, uma vez que pode assumir os dois géneros.
* Chauffage é palavra francesa que os portugueses adoptaram para designar o aquecimento ou ventilação nos automóveis, mas que no entanto suscita muitas dúvidas na pronúncia e na escrita, variando entre “chofage”, “chofagem”, “sofagem”, “solfagem” e sabe-se lá que mais... nenhuma delas está atestada em português, tanto quanto pude apurar.