Desabafo
Desculpem, mas às vezes chego à conclusão de que isto de andar a zelar pela ortografia e pelo bom uso da língua portuguesa é uma demanda vã.
Todos os dias somos confrontados com problemas imensos que não têm solução, começando pelos sem-abrigo que nos vêm pedir esmola e acabando na poluição que todos causamos e põe em risco a vida no planeta inteiro. Os dias escorrem-nos por entre os dedos enquanto nós, os afortunados, corremos de um lado para o outro, quais formigas atarantadas, entre emprego, trabalhos "por fora", filhos, tarefas domésticas e as burocracias mais diversas. Mesmo quando podemos trabalhar e ser pagos por isso, quando temos casa e saúde, somos ainda assim dominados por angústias, medos, tensões e raivas, pequenas e grandes, que nos pintam os dias de cinzento.
Por outro lado, a vida quotidiana também é feita de alegrias. De outro modo, nem sobreviveríamos à azáfama em que resolvemos existir nas sociedades auto-denominadas como civilizadas. Temos de andar com o arco-íris no bolso, na pasta, na cabeça, ou vê-lo espreitar onde quer que seja, para mantermos a nossa sanidade mental. Recuperamos o sentido da vida quando amamos, quando nos rimos com os amigos, quando os filhos nos sorriem, quando sabemos que fizemos o melhor que pudemos, quando saboreamos uma iguaria, quando ajudamos alguém. Há sempre um momento em que podemos respirar fundo e apreciar o que acontece, ou o que sentimos, como se o medo e a raiva não existissem.
No meio de tudo isto, acaba por ser quase ridículo chamar a atenção de alguém por ter posto acento agudo em peru, batalhar pelo uso de interveio em vez de "interviu", ou insistir, orgulhosamente só, em dizer duzentos gramas.
Afinal... que diferença é que isso faz?