Ingredientes: muitos erros, bastantes dúvidas e uma mão-cheia de reflexões. Juntam-se esclarecimentos, correcções e sugestões em quantidade generosa. Tudo polvilhado com bom humor. Porque queremos partilhar a nossa maneira de saborear a língua!
27 julho 2007
Os “ÊM” e os “ÊEM”
Verbo VIR – ele vem, eles vêm
Verbo VER – ele vê, eles vêem
Verbo LER – ele lê, eles lêem
Para não confundir a grafia destes verbos na 3ª pessoa do plural, há um velho truque que nos ajuda na hora da dificuldade!
Quem vê e quem lê usa (normalmente!) os dois olhos, logo, as formas verbais vêem e lêem escrevem-se com dois e!
Atenção também aos verbos compostos, que seguem o mesmo paradigma de flexão dos verbos que estão na sua base, ou seja, conter, intervir, prever e reler, por exemplo, conjugam-se como ter, vir, ver e ler, respectivamente:
1. Essas caixas contêm garrafas.
2. Eles nunca intervêm nas reuniões.
3. Os meteorologistas prevêem o tempo.
4. Os alunos relêem o texto com atenção.
24 julho 2007
A polivalência de QUALQUER
O mais comum é existir um elo semântico entre as várias acepções de uma palavra. Não é, porém, o que acontece com qualquer. Querem ver?
1. Qualquer = todos(as)
Qualquer peixe sabe nadar.
2. Qualquer = nenhum(a)
Esse assunto não tem qualquer importância.
3. Qualquer = algum(a)
Passa-se qualquer coisa estranha naquela casa.
4. Qualquer = não importa qual
Por favor, traz-me uma bebida do bar. Uma qualquer!
5. Qualquer = sem importância
Ele não é um escritor qualquer!
A Maria nunca sairia com um rapaz qualquer!
19 julho 2007
A eterna dúvida... à ou há?
Entendo que não é fácil perceber que falta poderá fazer o artigo a naquelas frases (depreendendo que se juntam os a de ir / passar a + a praia / a frente). Mas, para dissiparem as dúvidas, basta substituírem a preposição por outra, por exemplo para: não só verificarão que a frase continuará a fazer sentido, mesmo que a preposição não tenha exactamente o mesmo significado (“Ontem fomos para a praia”, Vai tu para a frente.”), como ainda constatarão que usam o artigo a – portanto ele estava, de facto, lá.
17 julho 2007
Ainda a “rúbrica”!
RUBRICA é, hoje em dia, uma das palavras utilizadas incorrectamente, quer na oralidade, quer na escrita. Contudo, a sua história ajuda-nos a esclarecer eventuais dúvidas. Viajem comigo!
Tendo a sua origem no latim rubrica, estava relacionada com “rubro” (vermelho) e designava “terra, argila vermelha” ou “giz de cor vermelha”. Os títulos dos livros antigos e dos manuscritos medievais eram sempre escritos a vermelho, daí a designação rubricas.
Actualmente, os dicionários registam rubrica como o título dos capítulos de livros de direito civil, significado este que se foi alargando para “pequeno apontamento ou indicação”. Posteriormente, a palavra rubrica passou a designar também uma assinatura abreviada.
Em suma, trata-se de uma palavra com acento tónico na penúltima sílaba -bri- e sem qualquer acento gráfico na vogal u. RUBRICA, portanto, em todas as acepções.
Espero que esta rubrica tenha sido esclarecedora, para que na altura de assinarem um documento, possam perguntar com um ar decidido: “Desculpe, onde quer que eu faça a rubrica?”
13 julho 2007
À vontade ou à-vontade?
À vontade é locução adverbial, usa-se para modificar verbos, podendo ser precedida por outro advérbio. Por exemplo nas frases:
Sinto-me bastante à vontade em frente a uma audiência.
Ele falou com um à-vontade incrível.
O meu carro leva, à vontade, quatro pessoas no banco de trás.
11 julho 2007
Quem é que se trata, afinal?
Quem se trata são os doentes, nas construções passivas. Por exemplo na frase “os diabéticos tratam-se com insulina.” Ou seja, eles não se tratam a si próprios, mas alguém os trata, tal como, na frase “vêem-se esquilos no Monsanto”, é evidente que não são os esquilos que se vêem a si próprios ou uns aos outros.
Com esta introdução algo confusa, queria apenas esclarecer os leitores sobre a expressão “tratar-se de”, que todos gostamos de usar em certos contextos, quando parece que o verbo ser não chega para dar um cunho formal à linguagem. Então, em vez de “é uma situação complicada”, dizemos “trata-se de uma situação complicada”. A frase torna-se logo mais bonita... e, até aqui, tudo bem.
O problema surge quando se começa a usar essa expressão, que é impessoal (exactamente como o verbo haver!), como se não o fosse. Então cai-se no erro de dizer ou escrever frases como “tratam-se de situações complicadas” ou, pior ainda, “estas situações tratam-se de casos complexos”. Portanto, atenção ao verbo tratar-se: se for seguido da preposição de, não admite sujeito.
09 julho 2007
Haja doces ou hajam doces?!
"Haja doces para esquecermos as tristezas!"... ou "Hajam doces para esquecermos as tristezas!"...?
O verbo haver, quando é verbo principal numa oração, com o significado de existir, ou acontecer, apenas se conjuga na 3ª pessoa do singular, por ser impessoal. Por isso, dizemos "há coisas” e não "hão coisas".
Do mesmo modo, portanto, devemos dizer "haja doces" e não "hajam doces", “houve situações” e não "houveram situações", "haverá riscos" e não "haverão riscos", etc. Penso que poucos leitores deste blogue ficaram admirados com o que acabaram de ler.
Contudo, muita gente esquece que a regra de não flexionar o verbo haver de acordo com um pretenso sujeito (que afinal não é sujeito nenhum) também se aplica aos seus auxiliares, como ter, costumar, continuar, ir, poder, etc. Assim, acontece frequentemente ouvir-se "vão haver concertos" em vez de "vai haver concertos", "continuam a haver vagas" em vez de "continua a haver vagas", "têm havido reclamações" em vez de "tem havido reclamações".
Portanto, o verbo haver é sempre impessoal se for verbo principal, o que se manifesta inclusivamente na flexão dos seus auxiliares. Só devemos conjugar o verbo haver em todas as pessoas quando é auxiliar: seja com o sentido de ter (ex.: "eles haviam feito"), seja como expressão de intenção (ex.: "eles hão de fazer").
05 julho 2007
Erros que não dão nas vistas - “Isso foi uma das coisas que mais me impressionou”
Pois bem, a construção correcta é: “Isso foi uma das coisas que mais me impressionaram.”
Admito que “soa melhor” flexionar o verbo impressionar no singular por concordância com o elemento que se pensa ser o seu sujeito, ou seja, o determinante indefinido uma.
Desenganem-se e sigam o raciocínio sintáctico que passo a descrever:
Esta frase contém dois verbos - ser e impressionar -, que têm sujeitos diferentes: o sujeito do verbo ser é o pronome demonstrativo isso; o sujeito do verbo impressionar é o pronome relativo que, que por sua vez se refere ao nome coisas (estando flexionado no plural, obrigará o verbo a flexionar também no plural).
Se invertermos a ordem dos elementos da frase, perceberemos melhor:
Das coisas que mais me impressionaram, isso foi uma (delas).
Compreende-se, então, o motivo por que não é legítimo flexionar o verbo impressionar no singular, sob pena de se admitir uma estrutura como “*Das coisas que mais me impressionou, isso foi uma (delas).”
São erros discretos, mas não deixam por isso de ser erros.
04 julho 2007
Junto ou separado?
"afim de" (a fim de)
"apartir de" (a partir de)
"concerteza" (com certeza)
"derrepente" (de repente)
"secalhar" (se calhar)
02 julho 2007
Ainda a ortografia
O fenómeno terá origem em diversos factores, como a falta de leitura, o aumento de estímulos audiovisuais, a existência de correctores automáticos de escrita, a decrescente qualidade do ensino e a diminuição do grau de exigência, neste âmbito, sobretudo nos níveis básico e secundário, e talvez mesmo a falta de interesse generalizada por esse problema e pela sua resolução. Chegámos ao triste ponto em que professores recém-licenciados, ao candidatarem-se a empregos, enviam currículos com erros ortográficos para as escolas!
Sei que em certos países da Europa a correcção ortográfica é condição essencial para passar de ano, seja em que disciplina for. Cá, porém, estamos longe desse ideal... prova disso é que, como o atestam alguns comentários ao texto anterior, até se admite a ideia de um ESCRITOR dar erros ortográficos palavra sim, palavra não!