Ingredientes: muitos erros, bastantes dúvidas e uma mão-cheia de reflexões. Juntam-se esclarecimentos, correcções e sugestões em quantidade generosa. Tudo polvilhado com bom humor. Porque queremos partilhar a nossa maneira de saborear a língua!
É fácil pormos o pé na argola da sintaxe, porque ela nos ilude constantemente com armadilhas muito bem montadas.
Num documento do Ministério da Educação, por exemplo, as autoras escrevem esta frase: «as tentativas infantis de escrita inventada [...] levam as crianças a analisarem as palavras para decidirem quantas e quais as letras que, do seu ponto de vista, são adequadas escrever.»
Penso que nenhum dos leitores passa por esta frase sem a achar estranha, porque aquele final («são adequadas escrever») não soa lá muito bem. Contudo, e mesmo assim, deve haver quem se interrogue sobre a sua correcção. Porque já sabemos que, frequentemente, o que soa "mal" está correcto. Por isso mesmo, há quem opte, como as autoras, por deixar operar a hipercorrecção, elegendo como versão preferível da frase (entre «quais as letras que [...] são adequadas escrever» e "quais as letras que é adequado escrever") aquela que incorre na falha gramatical.
Mas, se a frase que soa pior é a escolhida, há decerto um bom argumento que o justifique. Esse argumento será a concordância entre o adjectivo adequado (que é flexionado em número e género, adequadas) e o nome letras, que parece exigir essa concordância.
Acontece, porém, que o verbo escrever é que comanda a flexão do adjectivo, pois aqui é o sujeito da oração «que é adequado escrever», na qual pronome que representa a expressão «quantas e quais as letras» da oração anterior. Os restantes elementos são: sujeito (escrever), verbo (é) e predicativo (adequado). Ora, se o sujeito da frase é um verbo no infinitivo, naturalmente o predicativo que com ele concorda só pode estar no masculino singular.
Terá um falante comum de saber tanta gramática para optar pela concordância correcta? Não. Bastar-lhe-á tirar a palavra "que" à oração para perceber de imediato que a sequência original não faz sentido: *são adequadas escrever. Ou, invertendo a ordem dos elementos, para facilitar mais ainda: *escrever são adequadas.
Para quem ainda não se cansou, aqui fica mais um texto com alguns erros para caçar!
Tal como o homem pré-histórico, temos necessidades fisiológicas de cuja satisfação dependemos para sobreviver. Por isso, em pleno século XXI, a vida continua a ser o grande valor a perservar. A necessidade de sobreviver-mos continua a ser a nossa primeira e última necessidade, ainda que muitos não tenham consciência disso. Efectivamente, o homem moderno, civilizado, urbano, vive rodeado de todos os confortos e munido de enúmeros meios que lhe permitem “superviver”, pelo que tende a esquecer-se de que a morte o espreita, a todo o momento, como sempre espreitou. Para além disso, as suas preocupações quotidianas, mais ou menos supérfulas, tornam-no egoista, ou pelo menos indiferente às ameaças à vida de outrém.
Na plataforma Moodle, como seria de esperar, usa-se e abusa-se de estrangeirismos. Mas, para além disso, dão-se alguns pontapés na nossa gramática - como este excerto demonstra:
Mostrar a janela de Mensagem automaticamente quando houverem novas mensagens (o seu browser necessitará de estar definido para permitir popups neste site)
Não há ninguém que faça a revisão e correcção deste portinglês?!
A palavra item não parece suscitar dúvidas entre os falantes que conheço - pelo menos nunca ninguém me perguntou como é que se deveria pronunciar, escrever ou flexionar no plural. No entanto, o facto de ouvir bastantes vezes o plural "ítemes" (sobretudo por parte de pessoas letradas e eruditas) - e, menos frequentemente, o singular "íteme" - levou-me a pensar que talvez fosse útil prestar aqui um esclarecimento.
Item é uma palavra latina cujo significado original é «igualmente, do mesmo modo; além disso; segunda vez, de novo, outra vez». Mas faz parte da língua portuguesa, com a mesma forma, pelo menos desde o século XIV (com o significado de «cláusula, artigo ou unidade, numa enumeração»). Portanto, sendo palavra grave terminada em -em, pronuncia-se "ítãi" (na variante padrão lusa), ou seja, o núcleo da sílaba final é idêntico aos de abrem, contem ou nuvem. E, se vem do latim e já cá anda pelo menos há 600 anos, é absurdo pronunciá-la à inglesa ("aitam"), como se fosse um estrangeirismo acabadinho de chegar. Quanto ao plural de item, este não pode, naturalmente, ser *items, pois o português não admite esta combinação entre o m final do nome no singular e o s do plural, sendo necessário substituir a primeira das duas consoantes por n, para manter o ditongo nasal, à semelhança do que sucede com um/uns, nuvem/nuvens, batom/batons e por aí fora. Portanto: itens.
Talvez porque a palavra item conserva a sua forma latina original pareça ser "errado" flexioná-la segundo a gramática do português. Em todo o caso, é preciso rendermo-nos à evidência: dizer ou escrever "items" não faz muito sentido. Não dá jeito nem soa melhor!
Tal como nem tudo o que luz (ou reluz) é ouro, nem todo o e aberto precisa de acento. Por duas razões:
Por um lado, o acento agudo (que "sobe" para a direita) serve SEMPRE, isto é, EXCLUSIVAMENTE, para marcar a vogal tónica de uma palavra: a mais forte, a que se ouve melhor, a que prolongamos quando gritamos essa palavra.
Se quando gritamos a palavra pedicure não prolongamos o e, então isso significa que não podemos colocar sobre ele um acento gráfico, pois a vogal tónica é u (pedicuuuuuuuuuure!).
Por outro lado, uma vogal aberta, como [ɛ], [ɔ], ou [a], não leva necessariamente acento agudo, mesmo quando é o núcleo da sílaba tónica. Precisa dele quando a palavra em questão poderia ser pronunciada de outra forma, sem o acento, como se pode verificar com médico, que sem acento gráfico passa à forma verbal (eu) medico; cópia, que se transforma em (ele) copia; e o célebre cágado, que já estão a ver no que dá...
Mas se não há margem para erro ou dúvida, por exemplo, quando não há mais nenhuma vogal na palavra (e a vogal existente não é a última letra), como acontece em gel, mel, mal e dar, então o acento agudo é dispensável. Seria absurdo escrever már, sál, quér e sól, tal como é absurdo escrever gél.